Não posso dizer que tenha sido uma surpresa, mas foi um
susto: fiz, ontem(31 de julho de 2013), 60 anos. Não lido bem com datas
redondas, e essa, então, me parece singularmente emblemática. Os amigos que já
passaram por isso garantem que não é nada, que não dói e que tem até vantagens,
como fila especial no banco, meia entrada no cinema e no teatro e passagem
grátis no ônibus; mas só de saber delas sinto vontade de sair correndo de volta
para os 59, que até a semana passada me pareciam muitos, mas hoje parecem tão
poucos e bons. Mais um pouco e alguém vai me recomendar hidroginástica e dança
de salão.
Conceição Giancoli, amiga do Facebook, foi a mais
realista: “Como já fiz 72 lhe digo: não entre na fila de idosos nos bancos, é a
mais lenta, não pague meia nos teatros, é humilhante, se entrar no metrô fique
de pé, as crianças precisam descansar. Lembre-se, nada mudou.”
Um dos meus orgulhos é fazer anos junto com Harry
Potter. Ele é do dia 31 de julho porque J. K. Rowlings também é. Engraçado como
o personagem, nesse caso, é muito mais importante para mim do que sua autora —
nunca me passaria pela cabeça comemorar o fato de que faço anos no mesmo dia
que ela. Go figure.
Eu cantava “Não confie em ninguém com mais de 30 anos”,
e Mamãe, que sempre soube das coisas, me advertia para o fato de que, se a
sorte me sorrisse, eu passaria muito mais tempo com mais de 30 do que com os 15
que tinha até então. Eu sabia por saber, mas não acreditava. Mesmo aos 27,
quando joguei tudo para o alto e comecei a Vida 2.0, os 30 ainda pareciam
distantes, muito distantes. Não sou boa de matemática, mas 60 é duas vezes 30.
Socorro!
As casas envelhecem junto com seus habitantes. A tinta
desbota, os interruptores viram curiosidade arqueológica, a decoração lembra
revistas de muitos anos atrás. E o banheiro? Quando dá infiltração é preciso
caçar peças no cemitério dos azulejos: brrrrr!
Tento, na medida do possível, evitar que meu
apartamento compartilhe a minha sorte. Não há muito que eu possa fazer em
relação ao conteúdo: ele tem uma estrutura mental já definida, que é a
configuração dos móveis e, sobretudo, das estantes, e tem as suas memórias, que
são as minhas — os quadros, os móveis escolhidos ao longo do tempo, as
coisinhas que eu fui trazendo dos lugares que visitei, o Ganesha enorme e
colorido do escritório, o frágil pirarucu de Parintins que virou a obsessão das
crianças, que cismam em brincar com aquele peixe que a vó não deixa pegar.
Tenho inveja de quem consegue viver em ambientes quase
vazios, sem rastros, assim como tenho inveja de quem consegue se manter magra.
Meu apartamento tem chances de conseguir, um dia, essa vida elegante, mas não
estarei aqui para ver. Até lá, teremos que enfrentar os anos com a possível
galhardia e os ajustes necessários.
Pensando nisso, chamei um eletricista, há três meses,
para rever as instalações elétricas, trocar tomadas e interruptores, renovar o
quadro de luz. Queria me dar de aniversário o presente de uma casa aggiornata.
Fiz orçamentos, um mais cabeludo do que o outro. O
homem que começou a obra era simpático; todos os incompetentes que chegam
recomendados são simpáticos. Todos os vigaristas também. Simpatia não é
qualidade de currículo para eletricista, mas isso a gente só descobre quando
descobre.
O moço simpático era mentiroso, enrolão, incompetente.
Faltava mais do que vinha, chegava ao meio-dia, dava desculpas ridículas e
infantis, mandava a mulher ligar em seu nome. Em vez de começar e terminar um
ponto para seguir em frente, começava tudo mais ou menos ao mesmo tempo e não
acabava nada. Um dia fiquei tão irritada com as suas patranhas que o toquei
porta afora. De lá para cá, tomei juízo, pedi laudo a um engenheiro elétrico e,
num futuro oxalá próximo, terei o eletricista da sua confiança refazendo as
barbeiragens daquele sergiocabral da construção civil.
Resultado: nos meus 60 anos, minha pobre casinha está
com cara de 80. Pintura arrebentada em vários lugares, interruptores sem
espelho, lâmpadas penduradas onde antes existiam lustres, maçarocas de fios
saindo dos cantos mais improváveis — um retrato perfeito da sua dona, que está
precisando de tantos remendos que só vai chegar aos 61 aos 65.
O melhor presente que ganhei — um pouco adiantado — foi
Frida Gahto, a gatinha maltratada que a Bia resgatou e que, depois de duas
cirurgias e de muitos cuidados, está uma lindeza, gordinha, saudável, cheia de
atitude. Frida ficou tão traumatizada, coitada, que tem medo de todo mundo — mas
me conferiu o privilégio da sua confiança e do seu carinho. Sempre que ela vem
para o meu colo me sinto uma pessoa poderosa, especial, digna da distinção
única que é o amor de um bicho.
Isso, felizmente, não muda nunca.