Ela acaba de ser aprovada nos Estados Unidos
e é a primeira do gênero capaz de combater células cancerosas.
O alvo de estreia é o tumor de próstata.
A esperança é que ela também possa enfrentar outros tipos de câncer.
Mais um grande passo foi dado na guerra ao mal por trás de pelo menos 8 milhões de baixas na humanidade todo ano. A FDA, agência que regula os medicamentos nos Estados Unidos, deu sinal verde para a primeira vacina terapêutica contra o câncer. Produzido pelo laboratório americano Dendreon, o novo armamento se destina, por enquanto, a homens com tumor de próstata avançado. "É a validação do conceito de imunoterapia, uma estratégia de aperfeiçoar as defesas do corpo para atacar tumores", afirma o oncologista Philip Kantoff, do Instituto de Câncer Dana-Farber, líder do estudo com 512 pacientes que legitimou a vacina.
"Ela aumenta de quatro a cinco meses a sobrevida dos doentes, o que é significativo quando a doença está mais adiantada", comenta o urologista Gustavo Guimarães, do Hospital A.C. Camargo, em São Paulo. De acordo com ele, num estágio um pouco mais avançado, a quimioterapia garante um fôlego extra de três meses ao paciente. Uma das vantagens, aliás, é a carência de efeitos colaterais expressivos, que se limitam a fadiga e dores de cabeça nos primeiros dias após a aplicação. Nada de náuseas e queda de cabelo, como na químio. O intrigante é que, embora benéfica, a vacina não desarticula o tumor em si. "Ao que tudo indica, ela não estaciona o câncer nem reduz seu tamanho", diz Guimarães. "Os mecanismos de ação ainda não estão totalmente esclarecidos", admite Kantoff. Ou, cá entre nós, são um segredo de Estado.
Trabalhos estão em curso inclusive para apurar um possível elo entre o tratamento e o maior risco de derrames. Até agora, a indicação se restringe a pacientes com metástase — ou seja, quando a doença já está disseminada pelo corpo —, poucos sintomas e sem resposta à terapia hormonal, normalmente convocada nessa fase. "É provável que as vacinas sejam ainda mais eficazes em tumores menores", acredita o médico e doutor em biotecnologia Fernando Kreutz, diretor da FK Biotec, companhia gaúcha pioneira em pesquisas com imunoterapia no Brasil. Por uma questão de ética, porém, os testes sempre começam pelos doentes mais comprometidos.
A expectativa é que a liberação da primeira vacina terapêutica abra caminho ao advento de outras correntes de imunoterapia. No Brasil, o pesquisador Fernando Kreutz trabalha, desde 2001, em cima de uma vacina contra o câncer de próstata aplicada direto na pele. "Diferentemente do modelo americano, partimos das células do tumor do paciente, extraídas em uma biópsia", explica. Em laboratório, elas são modificadas a fi m de facilitar o reconhecimento do antígeno — substância que dedura o câncer — pelo sistema imune. "Já tratamos 216 homens e notamos uma resposta positiva em 38% deles. Alguns pacientes relatam melhora na qualidade de vida", conta Kreutz, que também é professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Além da próstata, tumores em outros cantos do corpo estão na pontaria das vacinas. Trabalhos recentes autenticaram a eficiência de versões contra o melanoma, o câncer de pele mais agressivo, e o linfoma, que mina o sistema linfático. "Com o reforço ao sistema imune, a velocidade de crescimento da doença diminui", avalia o imunologista José Alexandre Barbuto, da Universidade de São Paulo, que comanda estudos com imunoterapia contra melanoma e câncer de rim. "Nosso método é semelhante ao da vacina americana, mas usamos células de defesa extraídas de pessoas saudáveis e a injeção é feita na própria pele", diz.
Na batalha contra o melanoma, a cirurgiã oncológica Débora Castanheira, do Hospital A.C. Camargo, pesquisou durante sete anos um tratamento parecido, destinado a pacientes em fase avançada. "Em alguns doentes houve uma resposta completa, com a regressão do tumor e o aumento da sobrevida em cinco anos", conta. Embora o projeto, que acompanhou mais de 100 indivíduos, tenha se encerrado em 2005, ele deixa como herança a evidência de que há futuro para uma vacina contra esse câncer de pele, inclusive no papel de coadjuvante da cirurgia.
Outra safra de vacinas pretende evitar a reincidência do mal. Em Belo Horizonte, o oncologista André Murad, da Universidade Federal de Minas Gerais, investiga um tratamento que visa impedir recaídas em casos de câncer de pulmão após a químio ou a radioterapia. "A droga induz o sistema imune a procurar uma substância presente nas células tumorais e a destruílas", diz Murad. A tática será testada em 1,3 mil doentes mundo afora com a promessa de atirar nas células cancerosas, deixando as sadias em paz.
As vacinas terapêuticas ainda enfrentam dificuldades que esbarram na engenhosidade do câncer, doença que varia muito de pessoa para pessoa. "É possível controlar a produção da vacina, mas não conseguimos fazer o mesmo com a sua resposta dentro do corpo", analisa Débora. "As células cancerosas costumam ser diferentes entre si, o que dificulta seu reconhecimento pelas defesas." A esperança é vencer os desafios impostos por uma doença mutante por natureza. "Contra o câncer não dependemos de uma única arma, e as vacinas terão um papel a cumprir", prevê Murad. Nessa guerra, todo apoio será bem-vindo.
Por Diogo Sponchiato – Revista Saúde – Grupo Abril