Dia
desses, precisei pingar um remédio no nariz e deitei na cama pra
fazer isso. O remédio desceu pelas minhas narinas, mas eu não
conseguia mais me levantar.
Meu pé
foi capturado pela delícia de um raio de sol que costuma atravessar
o meu quarto àquela hora do dia.
Eu
fiquei ali parada, deitada sobre a colcha, esquentando os pés
enquanto olhava uns reflexos dançando no teto. Minha cabeça começou
a caminhar.
Não
fosse o meu nariz congestionado, não estaria ali. Eu me assustei.
Não conseguia me lembrar de uma única vez que eu tivesse deitado na
minha cama assim, no meio do dia, sem exata serventia. Uma coisa tão
simples, tão boa e por que tão rara? Por quê? Por que não faço
isso mais vezes?
Sempre
tenho a sensação de que levamos uma vida inventada. Inventamos ser
assim, agitados, ansiosos, o tempo inteiro correndo atrás de algo
que não se pode perder.
A vida
cotidiana sempre me parece excessiva, mas eu também me rendo ao que
parece ser a ordem natural das coisas e vivo correndo de um lado para
outro com meu celular na mão.
Fiz
uma coisa tão banal! Deitei na minha cama de dia e entrei numa bolha
subversiva de calma e prazer. Dei uma rasteira no cotidiano.
Experimente,
caro leitor. Experimente deitar-se fora de hora. Cuide para não
dormir, apesar do cansaço dos dias. Deite-se simplesmente, dez
minutos que seja. Sem função. Sem ser para tomar sol ou fazer
exercícios. Deite-se para ouvir-se.
Sempre
tive uma curiosa inveja desses trabalhadores de praças e jardins da
prefeitura que vejo à sesta, depois do almoço, deitados nos tristes
gramados urbanos.
Apesar
do serviço duro, são capazes de deitar na grama no meio do dia,
enquanto nós continuamos no trânsito passando séculos sem ver uma
árvore de baixo para cima. Quando estou num táxi e vejo um deles,
eu me lembro de recostar a cabeça no banco de trás para, no mínimo,
ver uma inédita cidade passando pelo céu.
Por
que abandonamos certos prazeres ao privilégio de nossa infância? No
outro dia, lembrei-me de fazer uma coisa deliciosa que fazia quando
menina: deitei no asfalto morno. Coisa difícil achar uma rua onde se
possa fazer isso, mas experimente um dia ver o caminhar das nuvens
deitando-se no asfalto depois do pôr do sol de um dia quente.
Pura
delícia. Se alguém vier lhe socorrer, diga que paradoxalmente caiu
ali, porque resolveu dar uma rasteira no cotidiano.