Uma das diferenças entre a ditadura militar dos anos
60/70 e a do narcotráfico de agora é que contra aquela ainda havia lugar para
algum tipo de contestação, embora com risco; já esta não permite qualquer
desobediência a suas ordens. Toda oposição é castigada com tortura e execução.
Por isso, assume caráter inédito a resistência do AfroReggae e de seu
coordenador, José Junior, à pressão exercida pelos traficantes do Complexo do
Alemão e da Penha por meio de ameaças de morte e vários atentados a prédios da
entidade, comandados à distância, ao que tudo indica, por dois dos mais
perigosos bandidos do estado: Fernandinho Beira-Mar e Marcinho VP, que cumprem
pena na penitenciária de segurança máxima de Catanduvas, no Paraná. Como chama
a atenção o próprio Junior, “o importante nessa história é que pela primeira
vez uma instituição não acata uma ordem do narcotráfico”. O exemplo não é só o
dele, mas também dos “jovens e idosos que, mesmo contra a proibição ao AR,
participam das nossas atividades”.
Novidade também é o movimento que começou a se
organizar na semana passada, quando cerca de 100 pessoas representando vários
segmentos sociais se reuniram para criar uma espécie de “rede de proteção”
simbólica a José Junior, que vem sofrendo ameaças de morte e se recusa a deixar
o país, apesar do convite de organizações internacionais e do conselho de
amigos e autoridades. Ressaltou-se também a importância de a sociedade assumir
o projeto de pacificação como uma política de Estado, a ser mantida mesmo com
mudanças de governo. Graças às UPPs, morrem hoje no Rio menos mil pessoas a
cada ano. Na ocasião, dois jovens da periferia deram seu depoimento: o de uma
comunidade pacificada disse que havia muita coisa a fazer, mas que ninguém desejava
a volta ao passado; o outro afirmou: “Queremos a pacificação. Nada ganhamos sob
o domínio dos traficantes.”
A partir do encontro, que discutiu formas de
solidariedade a serem adotadas, o movimento se estendeu à internet e está
recebendo dezenas de e-mails de adesão. O primeiro evento programado é o
Concerto para a Paz, da Orquestra Sinfônica Brasileira, no próximo dia 19, no
Teatro Municipal. José Junior acredita que com o apoio da sociedade e do
governo “podemos vencer essa guerra, aliás, já estamos vencendo”. Ele não
hesita em defender a política de pacificação, discordando dos que veem nos
atentados um sintoma de enfraquecimento do projeto das UPPs. Ao contrário: “Os
tiros não foram um sinal de força, e sim de fraqueza.”