O
medo é imprescindível para a sobrevivência. algumas pessoas,
porém,
têm a vida dominada por esse sentimento, que se manifesta em
crises
súbitas e intensas de desespero. Tratamento médico e
psicoterapia
ajudam a controlar os sintomas e evitar que a ansiedade
tome conta.
Plantas
tóxicas, fome, conflitos tribais, predadores – nossos ancestrais
sobreviveram a muitos riscos. Em um ambiente hostil, em que raramente
se ultrapassava os 30 anos de idade, era preciso estar atento a
muitos perigos para se proteger. Ao custo de sofrimento físico,
perda de entes queridos e toda série de dificuldades aprendemos, por
exemplo, a evitar alimentos de mau aspecto, andar por ruas desertas,
desconfiar de desconhecidos. “A psique humana evoluiu em face do
medo. Temos uma espécie de software – de milhões de anos, um
pouco desatualizado talvez – que traz informações necessárias
para nos manter a salvo”, explica o psicólogo Robert Leahy,
professor da Faculdade Médica Weill-Cornell, autor de Livre da
ansiedade (Artmed, 2011). Adaptativo, o medo se inicia quando
reconhecemos uma ameaça e se dissipa logo que ela cessa. A
ansiedade, por sua vez, está associada a antecipação. Ela é
natural e nos prepara para enfrentar uma situação que nos desafia
ou preocupa, como provas, entrevistas, resultados de exames médicos.
Nesses momentos, é normal sentir o coração acelerar, a
transpiração aumentar e mesmo insônia. Quando o problema é
resolvido ela vai embora. “Já a ansiedade patológica não
desaparece. Ela nos imobiliza e, para não ter de enfrentá-la,
fugimos das situações. É crônica e vem sempre acompanhada de
sintomas como palpitação, sudorese, tontura, sensação de
estranhamento, diarreia”, diz o psiquiatra Antônio Nardi, diretor
do Laboratório de Pânico e Respiração (LABPR) da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É considerado transtorno psíquico
quando tem duração, intensidade e frequência desproporcionais.
Em
alguns casos a ansiedade pode se manifestar em crise abrupta e
intensa – um ataque de pânico. Uma onda de sensações
desagradáveis, como impressão de asfixia, dor no peito, dormência
dos membros, receio de enlouquecer ou mesmo de morrer, que se inicia
e atinge seu pico em poucos minutos. As crises podem ocorrer de forma
isolada ou ter relação com algum transtorno de ansiedade. Ataques
recorrentes, acompanhados pela preocupação constante de sofrer
outra crise – e as possíveis consequên-cias, muitas vezes
imaginárias, que ela pode ter, como um infarto ou morte –,
caracterizam, segundo o Manual diagnóstico e estatístico de doenças
mentais (DSM), um estado extremo de ansiedade: o transtorno de pânico
(TP), também conhecido como síndrome do pânico.
Por
causa da semelhança com os sintomas de problemas
cardiorrespiratórios, muitas pessoas com ataque de pânico vão
parar no pronto-socorro ou passam por consultórios médicos de
diferentes especialidades antes de procurar um psicólogo ou
psiquiatra ou ser encaminhadas. É três vezes mais comum em mulheres
e surge com mais frequência no início da vida adulta. Em alguns
casos, é acompanhado de agorafobia – o receio de ter uma crise faz
a pessoa começar a evitar lugares e situações em que, acredita, é
mais difícil escapar ou receber ajuda. Assim, tarefas cotidianas,
como usar transporte público rumo ao trabalho, fazer compras no
supermercado ou sair de casa sem companhia, tornam--se cada vez mais
difíceis. “É comum que parentes não compreendam o problema e
acreditem que ‘é coisa da cabeça’ de quem sofre e adaptem a
rotina familiar para que a pessoa não fique ou não saia só, o que
pode parecer uma boa ajuda, mas que acaba colaborando para a
manutenção do transtorno”, diz a psicóloga Marcele Regine de
Carvalho, pesquisadora do LABPR.
O
transtorno de pânico não tem causa específica. O mais provável é
que seja resultado da interação entre herança biológica e fatores
psíquicos e ambientais, como o estresse. Ter um parente de primeiro
grau com o distúrbio é o principal fator de risco. Estudos com
famílias, publicados nos anos 80 no Archives of General Psychiatry,
demonstraram que pessoas com pai, mãe ou filho com transtorno de
pânico têm oito vezes mais chances de apresentar os mesmos
sintomas.
Pessoas
com predisposição genética são mais suscetíveis a ter o
distúrbio desencadeado por fatores externos, como algumas drogas.
“São frequentes crises que se seguem ao abuso de álcool ou uso de
substâncias recreativas, entre elas a maconha, e também de
psicoestimulantes, como anfetaminas e café em excesso”, diz o
psiquiatra Márcio Bernik, coordenador do Ambulatório de Ansiedade
do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).
Medicamentos anorexígenos (com finalidade de emagrecer), corticoides
e broncodilatadores também podem induzir ataques.
PÍLULAS
e CRENÇAS
O
tratamento com medicamentos e psicoterapia cognitivo-comportamental
(PCC) controla os sintomas em mais de 85% dos pacientes sem
agorafobia – resultados que se mantêm mesmo depois de
interrompê--lo. “Os medicamentos mais indicados são os
benzodiazepínicos (ansiolíticos) e antidepressivos. Muitos
pacientes utilizam fármacos dos dois grupos, para que sejam
ministradas doses menores de cada, o que reduz efeitos colaterais. A
medicação bloqueia os ataques de pânico, abrindo caminho para
enfrentar situações temidas”, diz Nardi.
A
PCC é uma abordagem breve, que ajuda o paciente a perceber padrões
de pensamento que alimentam sua ansiedade e a aprender algumas
estratégias para lidar com ela no dia a dia. “A maneira como se
avalia uma situação influencia emoções, comportamentos e reações
fisiológicas. Interpretações exageradamente negativas, ou
catastróficas, causam respostas físicas desproporcionais à
realidade. Reestruturar pensamentos distorcidos é uma forma de
alterar emoções e atitudes”, diz Marcele.
Para
isso, é essencial compreender a ansiedade como um mecanismo de
defesa: as reações que desencadeia, embora assustem, não são
necessariamente perigosas e podem ser controladas. A hiperventilação
– decorrente das inspirações rápidas e profundas em uma crise de
pânico, que pode desencadear a parte “automática” de um ataque
–, por exemplo, pode ser amenizada com respiração diafragmática.
De forma semelhante, exercícios de relaxamento podem reduzir a
excitação neuromuscular e a hiperatividade cognitiva.
Estudos
com testes respiratórios – como hiperventilação voluntária e
inalação de dióxido de carbono (CO2) para induzir sintomas de
pânico em laboratório –, aliás, demonstram que pacientes com o
distúrbio são excessivamente sensíveis a essas alterações. Os
núcleos da base (estruturas interconectadas com o córtex cerebral,
o tálamo e o tronco encefálico, onde são sintetizados
neurotransmissores), por exemplo, têm papel tanto na regulação da
respiração quanto no processamento de emoções primitivas, como o
medo. “Existe uma relação entre equilíbrio de
neurotransmissores, pH do sangue e sistema respiratório.Pacientes
que hiperventilam antes de um ataque de pânico podem aprender a
bloquear a crise respirando adequadamente”, diz Nardi.
PROVOCANDO
SINTOMAS
Fugir
ou evitar situações que causam desconforto pode, em um primeiro
momento, trazer alívio. Por outro lado, porém, mantém intactas as
crenças que sustentam o medo. Uma segunda etapa da PCC, depois da
reestruturação cognitiva e treino para lidar com os sintomas, é a
terapia de exposição. Com orientação do psicólogo, o paciente
faz exercícios que simulam sintomas de ansiedade e também entra em
contato com estímulos temidos. “O objetivo é que ele consiga
experimentar sintomas e habituar-se a eles, para que qualquer mudança
corporal percebida não dispare necessariamente um ataque de pânico”,
diz Marcele.
Correr
no mesmo lugar, respirar por um canudo fino, prender a respiração e
hiperventilar são exemplos de exercícios que simulam sensações
físicas de uma crise. Já a exposição a situações que despertam
a ansiedade é gradual e repetitiva, de modo a adaptar o paciente ao
estímulo, extinguir a resposta de medo e fazê--l-o perceber que
suas previsões excessivamente negativas raramente se confirmam. É
comum que o psicólogo cognitivo faça também simulações
imaginárias ou virtuais para adaptar o paciente aos poucos. “Grupos
de apoio também são importantes. Ajudam a perceber que existem
pessoas com problemas semelhantes e, principalmente, que muitas
melhoram. Para os parentes de quem tem o transtorno é uma
oportunidade para esclarecer dúvidas e preconceitos, além de
aprender estratégias de enfrentamento, diz Bernik.
“O
medo não é o sistema de navegação confiável que supomos. Ele se
alimenta de crenças irracionais, de ‘certezas’ que, na
realidade, apenas tornam nosso comportamento menos adequado,
obscurecem nossas expectativas, afetam drasticamente a qualidade
vida”, diz Leahy. Será que todas as nossas preocupações são
importantes a ponto de ser preciso dar ouvidos a todas elas para nos
proteger? A ansiedade nos permite antecipar problemas e soluções
possíveis para evitar a dor e preservar nosso bem-estar – apesar
de parecer o contrário. Nas palavras do pensador Sêneca, “há
mais coisas que nos assustam do que coisas que efetivamente nos fazem
mal; afligimo-nos mais pelas aparências do que pelos fatos”.
A
CRISE DE ANSIEDADE
O
ataque de pânico é um período de medo intenso e de desconforto.
Pode ocorrer em qualquer momento ou situação. Alguns dos sintomas
podem surgir de repente e atingir seu pico em torno de dez minutos:
1
-falta de ar ou sensação de asfixia
2-
vertigem
3
- ritmo cardíaco acelerado (taquicardia)
4
- tremor
5
- suor frio
6
- náusea
7
- sensação de dormência
8
-ondas de calor ou frio
9
- dor no peito
10
- medo de morrer, enlouquecer ou perder o controle
ESTRESSE
SOB CONTROLE
Congestionamentos,
demandas do trabalho, cuidar de si próprio e de outros. É possível
enumerar centenas de situações, apenas as mais corriqueiras, que
deflagram estresse e ansiedade. São parte do cotidiano da maioria
das pessoas. A diferença é a maneira como cada um lida com elas.
Algumas medidas que ajudam a gerenciar melhor essas emoções:
1.
Exame dos pensamentos
O
psicólogo Robert Epstein, doutor pela Universidade Harvard,
investigou como mais de 3 mil pessoas lidavam com as pressões do dia
a dia. Ele descobriu que os que buscavam controlar pensamentos
negativos – tentando enxergar a situação de maneira mais
condizente com a realidade ou de perspectiva mais positiva –
apresentavam menos sintomas de distúrbios psíquicos. Segundo o
pesquisador, pessoas com transtornos de ansiedade tendem a antecipar
problemas, superestimar sua importância e, mais ainda, prever
desfechos trágicos. “Reinterpretar os eventos da vida faz com que
eles deixem de nos incomodar tanto. A psicoterapia pode ser crucial
nesse processo”, diz.
2.
Relaxamento
Não
faltam estudos que atestam os benefícios da ioga, de exercícios
respiratórios e técnicas de meditação. Meditar regularmente reduz
os níveis de cortisol, hormônio relacionado ao estresse, e
fortalece o sistema imunológico. Atividades de lazer também são
importantes para amenizar a rotina e tirar o foco das preocupações.
3.
Atividade física
Mexer
o corpo melhora o humor. Atividade física regular estimula a
produção de neurotransmissores, como a serotonina e a dopamina,
associadas às sensações de bem-estar e de motivação. Além
disso, exercícios ao ar livre ou mesmo na academia de ginástica são
boa oportunidade para sair de casa e interagir socialmente. As
relações sociais são importantes para a manutenção do humor e da
autoestima.
4.
Alimentação
Dieta
rica em nutrientes mantém a saúde do corpo – e também da mente.
O endocrinologista sueco Fredik Nystrom, da Universidade de
Linkoping, estudou o humor de 18 voluntários que, durante um mês,
comeram apenas em lanchonetes – cardápio, claro, baseado em
frituras e açúcar – e não fizeram exercícios físicos.
Conclusão: o aumento da irritabilidade e do humor deprimido foi
proporcional ao “estrago” na alimentação. Por outro lado,
alimentos ricos em ácidos graxos ômega 3, como peixes, abóbora,
semente de linhaça, soja, castanhas e, em menor quantidade,
espinafre, couve e pepino, estão associados à melhora do bem-estar.
A
RESPIRAÇÃO A SEU FAVOR
Respirações
profundas e amplas, diafragmáticas, estimulam o controle
parassimpático do funcionamento cardiovascular, ajudando a
normalizar o ritmo dos batimentos cardíacos. O ideal é treinar a
técnica tranquilamente para aplicá-la quando surgirem os sintomas
de ansiedade:Inspire pouco ar pelo nariz, devagar, contando até
três. Prenda um pouco a respiração e sinta o abdome estufar.
Depois, expire longa e suavemente pela boca, contando até seis.
Fernanda
Teixeira Ribeiro - Revista Mente Cérebro