Não
sou a favor de proibir as drogas,
mas também não sou obrigado a
assistir à viagem de ninguém
Recebi
um hóspede em meu apartamento do Rio de Janeiro. No domingo, ele
saiu para passear. Voltou à 1 da manhã completamente bêbado. Mas
querendo conversar. Tem coisa pior que suportar um bêbado falando de
si mesmo, chorando e pedindo apoio afetivo e psicológico? Sou
solidariedade zero nesses casos. Mandei o hóspede ir dormir. Ele se
revoltou, discutiu e vomitou no sofá. Depois, foi deitar. De tempos
em tempos, levantava-se para vomitar. Como tudo que pode dar errado
dá errado, justamente nessa noite a água do prédio fora cortada
para limpeza das caixas na manhã seguinte. Eu mesmo enchera vários
baldes para garantir. Tive de carregar os baldes apartamento afora,
para limpar os vestígios da bebedeira. No dia seguinte, ainda de
ressaca, ele disse simplesmente:
– Me
perdoa, bebi demais.
Respondi
mais simplesmente ainda:
– Esse
não é o tipo de situação que se resolve com um pedido de
desculpas. Estou magoado, ofendido e não perdoo, não. É melhor
você encurtar sua estadia e voltar para casa.
Não
consigo ser educado nessas horas. Talvez tenha de trocar o
revestimento do sofá, manchado. O ex-hóspede não tem grana para
isso. Ele ainda tentou amenizar a situação.
– É
que eu estava numa viagem.
Viagem?
Até agora, falei sobre uma droga legal, o álcool, mas tão
inconveniente e perigosa como qualquer outra. Fiz uma reflexão. O
usuário é sempre um egoísta. Não uso drogas. Conheço gente que
gosta e passei a odiar a palavra viagem nesse sentido. O sujeito se
enche de maconha e sorri, extasiado, dizendo que está numa “viagem”.
Vejam bem, não sou contra a legalização da maconha. Sou a favor.
Recentemente, tentei explicar a um amigo, que tragava um cigarrinho
atrás do outro:
– Olha
bem, você está numa viagem. Mas não comprei o tíquete para esse
trem. Então, sou obrigado a ficar assistindo a sua viagem, a ouvir o
que diz, a contemplar seu delírio. Só que você não me perguntou
se quero ficar de plateia. Embarcou, o trem partiu, e fiquei olhando
da plataforma.
Minha
visão em relação ao uso é liberal, porque acho que cada um é
dono de seu corpo. Mas minha postura na vida é rígida quando o tema
me toca de perto. Não admito que levem drogas ilegais no meu carro.
Escrevo livros para crianças e jovens, entre outras coisas. Meu
livro Vida de droga fala justamente contra o crack. Meu comportamento
se torna exemplo para meus leitores. Se sei que algum carona gosta da
coisa, explico longamente como isso pode me prejudicar. Adianta? Ele
leva escondido. Várias vezes, depois da chegada à praia, vejo o
carona com seu cigarrinho.
– Você
trouxe no meu carro?
– Não,
não...
Para
ele, não importa se uma manchete no jornal envolvendo meu nome
prejudica minha relação com os leitores. Só quer curtir.
Sei
que é uma abordagem diferente. Quando se fala de drogas, discutem-se
a legalização e os riscos. Penso no meu lado, no que acontece com
quem não usa. O usuário não aceita que alguém não participe de
seu prazerzinho – e incluo aí os fumantes que acendem o cigarro na
nossa cara. Qual o direito de alguém expor minha saúde, se não sou
fumante? Há situações bem piores. Em uma festa, uma garota disse a
um amigo do tipo bem-comportado:
– Hoje
vou deixar você maluco.
Ele
nem se importou. Continuou na água. De repente, segundo sua
descrição, um pontinho preto apareceu na sua frente. E foi se
esticando, até formar uma linha. Iniciou-se um turbilhão. Correu
para o carro e, até hoje, não sabe como chegou em casa. Haviam
colocado MDMA na água. Para quem não sabe, é uma das drogas do
momento. Tem o princípio ativo do ecstasy, provoca alteração dos
sentidos, muda o comportamento. Há festas em que é colocado até na
água oferecida aos convidados. Numa casa noturna, alguém pode botar
no seu copo sem que você perceba. A diversão de quem apronta é ver
a festa “pirar”, transformar a balada numa “loucura”. Só que
tem efeitos colaterais. Quem tem problemas de pressão pode morrer.
Mas o usuário não pensa nisso. Depois de tudo, se diverte
comentando as próprias loucuras e as que os outros praticaram.
A
discussão sobre a legalização das drogas está aí, é uma questão
social e política.
Mas
o uso é uma questão ética. Droga e egoísmo andam juntos, é o que
já percebi. Que direito tem o usuário de droga legal ou ilegal de
me incluir ou me expor numa viagem que não escolhi?