Casados
eles não pareciam ser -não um com o outro-, e aquele jantar cedo,
num restaurante modesto, comum, era muito bom de se ver.
Estavam
sentados um em frente ao outro, e parecia claro que não iriam para a
mesma casa depois do jantar, não dormiriam nem acordariam juntos.
Por isso, talvez, tinham tanto a se dizer -e se diziam.
Ela
às vezes passava a mão na testa dele, afastando uma mecha de
cabelo; daí a pouco ele devolvia o carinho e segurava a mão dela
num gesto rápido, isso por cima dos pratos, sem que nada fosse fora
de propósito nem inadequado, como nunca são os gestos que saem do
coração.
Não
havia entre eles aquele clima de urgência que precede a ida a um
motel, muito pelo contrário; parecia, isso sim, que eles haviam
passado a tarde se amando e depois foram a um restaurante, daqueles
em que não há risco de encontrar nenhum amigo, para ficarem juntos
um pouco mais, o tempo que ainda tinham, sem inquietação, pelo
prazer da companhia um do outro. E os carinhos trocados não eram os
da paixão, mas os do amor; de um amor sólido e profundo.
Quem
mora junto não conversa tanto, olho no olho, porque sabe que tem
tempo pela frente: a noite inteira, talvez o resto da vida. Já eles
falavam, e os assuntos não eram esses de namorados; falavam de tudo,
interessados um no que o outro dizia, trocavam idéias como se fossem
dois grandes amigos, o que é raro entre homem e mulher. Ele talvez
falasse de um negócio que estava fazendo, ela talvez de um filho (só
dela) com problemas; aí, de repente, um carinho -sem olhares
melosos, nada. Apenas a necessidade de tocar no outro, só isso.
Estavam ali, inteiros, muito próximos e muito seguros.
Ela
usava um suéter com um pequeno decote; num determinado momento, ele
passou o braço por cima da mesa, botou a mão no ombro dela,
escorregou por dentro do suéter pelas costas e ficou uns momentos
passando a mão, aquela mão forte de dono, como recordando a tarde
que passaram juntos.
Ela
não era nem jovem nem linda, nem ele. Eram pessoas absolutamente
normais, banais mesmo, daquelas que não chamam a atenção, para
quem não se olha duas vezes -talvez nem uma. Mas naquela mesa
pequena daquele restaurante banal havia tudo o que uma mulher e um
homem podem querer um do outro: confiança, amizade, amor, paixão
-mesmo que discreta-, sexo bem resolvido e segurança. Eles iriam se
separar daí a pouco, sentiriam falta um do outro, mas sem angústia
ou desespero, sabendo que se encontrariam de novo no dia seguinte ou
na semana seguinte, confiando no seu próprio desejo e no do outro,
porque aquele amor tinha essa coisa tão rara nos amores em geral:
era sólido.
Ele
pediu a conta, os dois saíram abraçados normalmente; na esquina,
ele chamou um táxi para ela, se beijaram rapidamente, ele ficou
olhando até o táxi desaparecer, pegou o dele e a noite -eram 9h-
acabou por aí.
Acabou
é modo de dizer, porque essas noites tão boas não se acabam assim.
Ela
foi dormir pensando nele, ele pensando nela, e eu pensando neles.
Pensando
e imaginando quantas pessoas, neste mundo de tantas paixões,
vaidades, ansiedades, desvarios, terão tido a sorte de viver um amor
assim tão bom.
Não,
o amor não é lindo, como se diz banalmente: o amor é muito bonito
quando é de verdade, e o deles era.