Hoje,
ninguém sabe de cor os sambas das escolas,
que antigamente eram
cantados por todos
Fernando
Pamplona revolucionou o Carnaval carioca, mas, antes dele, eu já
assistia ao desfile das escolas de samba. É que me casara com uma
moça da Tijuca, Thereza Aragão, que amava o Carnaval e a música
popular. Ela seria, anos mais tarde, responsável, com suas
segundas-feiras de samba, no Teatro Opinião, em Copacabana, por
levar o samba de subúrbio para a zona sul do Rio.
Naqueles
anos, o desfile era na avenida Presidente Vargas, no trecho próximo
à Candelária, e não havia nem passarela nem arquibancada. A gente
assistia ao desfile inteiro, em pé, nas calçadas. Depois, o desfile
foi transferido para a avenida Rio Branco, o que melhorou para nós
que passamos a assisti-lo das janelas da Redação do "Jornal do
Brasil", onde eu trabalhava.
Foi
quando Pamplona surgiu, emprestando ao Salgueiro uma concepção nova
do desfile carnavalesco, não só plasticamente, mas também
tematicamente. Aí ele nos ganhou. Thereza, eu, Vianinha e a turma
inteira do grupo Opinião nos tornamos frequentadoras do desfile e
dos ensaios do Salgueiro.
As
alegorias e fantasias das escolas de samba, até então, tinham gosto
acadêmico, mesmo porque seus autores eram gente da Escola Nacional
de Belas Artes e o pessoal mais conservador, para quem vestir-se de
princesa é que era beleza.
Deve-se
reconhecer, também, que fantasiar-se de nobre correspondia à
aspiração dos sambistas, que viam a nobreza como um sonho
inalcançável, a não ser no Carnaval. Fantasiar-se de conde era
tornar-se conde por algumas horas.
Pamplona
rompeu com isso, não só acabou com as fantasias de príncipes e
princesas, como pôs como enredo a história do negro, descendente de
escravos. Foi o caso do enredo "Quilombo dos Palmares", que
assinalou mais uma vitória do carnavalesco inovador.
Se
do ponto de vista do enredo, como se viu, Pamplona rompeu com a
tradição, creio que foi no plano visual que seu ímpeto inovador
foi mais determinante. Lembro-me do entusiasmo de que fomos tomados
ao ver as alas do Salgueiro vestidas com fantasias de grande beleza e
despojamento.
Foi
a visão moderna das artes plásticas --particularmente a tendência
abstrata geométrica-- que inspirou Pamplona e sua equipe. Mais que
os adereços e enfeites, o que encantava era a beleza do vermelho e
do branco, explorados em sua simpleza e plenitude. E mais o contraste
com a pele negra dos passistas e das passistas, revoando no asfalto.
Ver aquelas alas desfilando foi uma experiência inesquecível.
E,
como tinha que ser, a nova concepção do desfile carnavalesco
conquistou outras escolas. Nem todas com a mesma facilidade,
especialmente aquelas mais antigas e de mais arraigadas tradições.
A Mangueira, por exemplo, resistiu à inovação, até onde pôde e,
de qualquer modo, jamais se deixou subverter pela revolução
salgueirense.
Mas
essa revolução não se limitou ao âmbito das escolas e dos
desfiles. Fascinou uma nova geração de artistas e intelectuais da
zona sul do Rio, que passaram a frequentar não só os desfiles, como
também os ensaios das escolas e até desfilar nelas. Era branco no
samba? Era, mas com paixão.
Alguns
anos depois, construiu-se a Passarela do Samba, mal apelidada de
Sambódromo. As antigas arquibancadas de madeira e tubos de metal
eram montadas para o desfile e desmontadas depois. A nova passarela,
em concreto armado, é permanente, custou caro e fica grande parte do
tempo sem utilidade.
O
desfile, por sua vez, sofreu mudanças. Porque as escolas cresceram,
foi necessário estabelecer um limite de tempo para cada uma
desfilar, o que levou à aceleração do ritmo dos sambas-enredo, que
viraram marchas.
Hoje,
ninguém sabe de cor os sambas das escolas, que antigamente eram
cantados por todos. O som dos alto-falantes estendidos por toda
avenida torna inaudível o canto das alas, o que reduz a emoção e a
participação do espectador. As escolas passaram a alugar fantasias
para estrangeiros desfilarem, gente que não sabe cantar nem dançar
o samba da escola.
Depois
de tudo isso, Fernando Pamplona, que trazia o Carnaval no sangue,
nunca mais foi assistir aos desfiles. Nem eu.