Acreditei
que às vésperas de 2014 o Galeão seria um aeroporto moderno, e não
um labirinto com canos e fios aparentes como o cenário de um filme
de terror
O
país do futuro
O
Brasil é um país pródigo em desilusões. No entanto, nós,
brasileiros, nunca somos vistos — nem por nós mesmos — como um
povo desiludido. O que é uma pena. Temos a aprender com a desilusão.
Ilusão
Os
Guns N’ Roses lançaram na década de 1990 dois discos de muito
sucesso e inspiração chamados “Use your illusion I e II”. O
título, “Use sua ilusão”, remete à ideia de que a ilusão —
erro de percepção ou de entendimento; engano dos sentidos ou da
mente; interpretação errônea — pode ser usada de forma criativa
e construtiva, já que a percepção “errada” de um fato pode
revelar novos e surpreendentes ângulos desse mesmo fato. Quando nos
divertimos e nos emocionamos com filmes como “Toy story” ou com
livros como “A metamorfose”, estamos usando nossa ilusão.
A
semântica não mente
Paradoxalmente,
a desilusão nunca é compreendida como o avesso da ilusão, ou seja,
uma maneira correta de entendimento. Desilusão expressa sempre
descrença e perda de esperança. E isso não é mera semântica.
Resistimos a nos desiludir e, mesmo quando nos desiludimos, demoramos
a admitir. Por que temos vergonha de aceitar que estamos desiludidos?
Por que encaramos a desilusão como uma derrota?
Use
sua desilusão
Em
1968 James Brown lançou uma música que fez muito sucesso no mundo
todo. Sua estrofe principal, um grito de guerra que é também o
refrão e o nome da canção, diz assim:
“Say
it loud
I’m
black and I’m proud”
(“Diga
com um grito
Sou
preto e me orgulho disso”
(numa
tradução livre e descuidada).
O
funk exuberante do Rei do Soul exorta negros oprimidos à insubmissão
e à valorização de seu orgulho próprio. Não à toa tornou-se uma
espécie de hino informal do movimento Black Power. Inspirado por
James Brown e Guns N’ Roses, orgulhoso de minha desilusão, lanço
um outro grito de guerra, destinado aos desiludidos anônimos do
Brasil: Use sua desilusão!
O
caminho da ilusão leva ao palácio da desilusão
Faço
uma breve lista de algumas de minhas recentes ilusões. Sou um
daqueles ingênuos — se preferir chamar de otário fique à vontade
— que acreditaram, entre outras coisas, que a realização da Copa
do Mundo no Brasil e das Olimpíadas no Rio trariam investimentos
para o país e para a cidade, e que eles seriam revertidos em
melhorias nos transportes, aeroportos, hotéis e infraestrutura em
geral.
1-
Acreditei que às vésperas de 2014 o Galeão seria um aeroporto
moderno, e não um labirinto com canos e fios aparentes como o
cenário de um filme de terror de baixo orçamento.
2-
Acreditei que em 2014 eu iria até São Paulo num trem-bala
contemplando pela janela as comunidades pacificadas.
3-
Acreditei que o Santos poderia até, quem sabe, empatar com o
Barcelona.
4-
Acreditei que o Supremo Tribunal Federal tinha mudado os paradigmas e
dado uma lição de democracia ao condenar os mensaleiros e que no
dia de hoje eles estariam lendo O GLOBO na cadeia e não comendo
pizza na casa do… como é mesmo o nome dele?
5-
Acreditei que os policiais das UPPs eram diferenciados e que o
Amarildo não desapareceria.
6-
Acreditei que as manifestações de junho tinham despertado o povo
brasileiro e nos ejetado da letargia bovina em que chafurdamos há
séculos.
7-
Acreditei que os black blocs eram apenas um grupo de manifestantes
mais exaltados e que, com a ajuda deles — que são muito mais
eficientes em meter medo nos políticos do que os manifestantes
pacíficos — caminharíamos juntos “hasta la victoria”.
8-
Acreditei que depois da ditadura militar nunca mais eu veria
policiais descendo o cacete em professores.
9-
Acreditei, acreditei, acreditei.
Bananão
Ivan
Lessa, o grande cronista desterrado, chamava o Brasil de Bananão.
Embora seja possível denotar algum carinho na definição, o
sarcasmo agudo do apelido é inegável. Bananão, além de lembrar
que nunca deixamos realmente de ser uma república das bananas em
escala continental, alude também à acepção de “banana” como o
sujeito covarde e sem iniciativa, o popular bundão. Ivan Lessa foi
um dos muitos brasileiros que optaram pelo autoexílio mesmo depois
de restaurada a democracia no país. Num de seus textos, revela um
dos motivos que o levaram a deixar o Brasil: “Achava que, de uma
maneira ou de outra, estava embromando ou sendo embromado por
alguém.”
Não
é assim que todos nos sentimos por aqui?