As
duas chegaram na minha frente rindo muito, felizes da vida. Eu,
sentada atrás de uma mesa, tirei conclusões apressadas: são irmãs,
são amigas de infância, são colegas de trabalho, talvez até
namoradas. Autografei o livro para uma, autografei depois o da outra,
que eu estava ali a trabalho. E elas se cutucavam, cochichavam,
tiravam fotos juntas, não se desgrudavam.
Me
surpreendi com aquela alegria tão refrescante, já que o óbvio
seria encontrá-las esmorecidas, ambas estavam há mais de uma hora
numa fila que andava a passos lentos. A morosidade não era culpa
minha, e sim da situação, mas mesmo assim me desculpei e agradeci:
obrigada por esperarem tanto. Imagina, em que outro local teria
conhecido aqui a Adriana? Filas são ótimas para fazermos novas
amizades. E saíram as duas rumo ao primeiro chope de suas vidas
agora interlaçadas.
E
já que tudo está interlaçado, no dia seguinte mesmo recebi um
e-mail com uma sugestão de texto de uma senhora que não era nenhuma
daquelas duas moças, mas que também havia feito uma amizade em uma
fila: “Escreva sobre essa conspiração do destino: pessoas que se
conhecem enquanto aguardam ser atendidas”.
Eis-me
aqui cumprindo ordens.
Não
odeio filas porque não odeio nada, mas não é um acontecimento pelo
qual eu anseie. Fila, para mim, é a representação máxima da perda
de tempo, e tempo é algo que valorizo mais do que pérolas, jades,
rubis. Não escapo de enfrentá-las em bancos, cinemas e em sessões
de autógrafos de amigos escritores, mas não recordo de ter feito
alguma nova amizade durante a espera. Ou fiz?
Sim,
conversa-se em filas. Ainda mais se a fila for demorada e provocar
queixas: dois irritados é o começo de uma rebelião. Tem uma rede
de supermercado na cidade que me deixa com os nervos destruídos,
quase já não a frequento, só em raríssimas ocasiões para comprar
dois ou três itens urgentes, e mesmo assim ele desafia meu espírito
budista com seus poucos caixas abertos, seus funcionários mal
treinados, seus carrinhos abandonados no estacionamento, suas sacolas
plásticas que não resistem até a chegada em casa. Nem mesmo o
cartaz avisando que agora existe um gerente (virtual) adianta grande
coisa. Então, na inevitável fila que se forma, viramos todos
clientes guerrilheiros a fim de ver sangue. Não inauguramos ali
amizades fraternas, mas ter uma raiva em comum já é um elo.
Desviei
do assunto. Era para eu ter falado de pessoas que se tornam amigas de
infância durante uma conversa em pé, aguardando pacientemente para
realizar sua meta. Conclusão? Até das chatices se pode tirar algum
proveito. As filas tornaram-se o novo bar – em frente dos quais,
aliás, elas se formam também, longas, animadas, fervilhantes, não
raro sendo a principal razão de se ter saído de casa.