Não
há horizonte para quem está na miséria;
na pobreza, há luz no fim
do túnel
Imaginem
um programa social que diminui o índice de internação de crianças
doentes em 90%, aumenta a sua frequência escolar em 92% e
praticamente dobra a renda familiar dos seus pais. Pois foi isso que
três pesquisadores da Universidade de Georgetown encontraram aqui no
Brasil, quando decidiram estudar os efeitos a médio e longo prazo do
Saúde Criança, uma ONG carioca especializada em transformar
miseráveis em pobres, na perfeita definição da sua fundadora.
Parece
um jogo de palavras espirituoso, mas fala de dois universos onde o
tudo e o nada seguem rumos separados. A diferença entre a miséria e
a pobreza é praticamente intransponível para quem está na miséria;
não há horizontes ou esperança nesse mundo. Na pobreza, contudo,
já se permitem sonhos e, eventualmente, realizações. Na pobreza há
luz no fim do túnel; na miséria, só trens vindos em direção
contrária.
Vera
Cordeiro descobriu essa fronteira quando trabalhava no Hospital da
Lagoa. Crianças eram internadas, tinham alta, iam para casa — e
logo estavam de volta ao hospital, em condições ainda piores, num
ciclo vicioso que, quase sempre, só terminava com a morte dos
pequenos pacientes. Claro: ir para casa significa voltar para as
condições insalubres que os tinham feito adoecer. Significava falta
de medicação, de cuidados, de comida. Ela chegou à conclusão de
que era virtualmente impossível tratar das crianças sem tratar das
suas famílias e do seu entorno. E foi à luta.
Trabalhando
com voluntárias, correndo atrás de donativos e de parceiros, ela
traçou um plano de ação e passou a atacar a miséria em várias
frentes: dando remédios e alimento para as crianças, mas também
reformando os seus barracos infectos, ensinando um ofício às mães
e, muitas vezes, obtendo documentos para famílias inteiras que não
existiam oficialmente.
Deu
tão certo que hoje o Saúde Criança — que começou como Renascer,
mas mudou de nome no meio do caminho para não ser confundido com a
famigerada igreja — virou franquia social, e está presente em sete
estados brasileiros, sendo que, em Minas Gerais, virou política de
governo. A organização ganhou todos os prêmios mundiais do setor,
é exemplo no mundo inteiro e chamou a atenção de Muhammad Yunus, o
banqueiro bengali que ganhou o Prêmio Nobel da Paz pela concepção
do conceito de microcrédito.
Dentro
deste quadro de sucesso, faltava calcular, em números concretos, o
efeito a longo prazo da atuação do Saúde Criança. Não é segredo
para ninguém que a metodologia funciona; afinal, as voluntárias e
voluntários ficam ligados às famílias que atendem, e volta e meia
têm notícias delas mesmo depois que se desligam do programa. Mas
haveria como medir o seu impacto?
Sim,
havia. Há três anos, os pesquisadores Daniel Ortega Nieto, James
Habyarimana e Jennifer Tobin, da Universidade de Georgetown, nos
Estados Unidos, passaram a acompanhar e comparar 127 famílias
assistidas pelo SC com outras tantas que não foram beneficiadas. O
resultado do seu trabalho, divulgado no mês passado, foi
surpreendente. O tempo médio de internação hospitalar das crianças
caiu de 62 dias por ano para nove. A renda familiar per capita passou
de R$ 566 para R$ 1.087. Houve também um aumento notável na
porcentagem de adultos empregados, de 54 por cento na entrada para 70
por cento até cinco anos após a participação no programa. Esse
índice é atribuído aos cursos profissionalizantes promovidos pelo
Saúde Criança.
A
percepção de bem-estar das famílias é eloquente: ao entrar no
programa, 56 por cento definiam a sua situação como ruim ou muito
ruim. Passados três anos, esse índice caiu para pouco mais de 15
por cento — enquanto 51,2 por cento passaram a se achar em situação
boa ou muito boa, contra os 9,6 anteriores.
Como
disse uma das mães atendidas:
“Quando
você chega aqui você está triste, abatida, sem esperança. Aqui
eles ensinam a gente a andar com a cabeça erguida.”
Pois
é.
Isso
também é Brasil, mas no meio de tantas notícias ruins
protagonizadas por elementos torpes, nem sempre nos lembramos dos
pequenos milagres que acontecem todos os dias, promovidos por
brasileiros que honram o seu país.
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* *
E
agora, os nossos comerciais: o Saúde Criança está participando do
“Skoll Foundation social entrepreneurs challenge”, um desafio
internacional para arrecadação de recursos online promovido pela
Fundação Skoll, que investe em empreendedores sociais ao redor do
mundo.
Entre
as 57 instituições escolhidas, há apenas duas brasileiras (a outra
é o CDI, o Comitê para Democratização da Informática, muito bem
colocado graças à doação de um trabalho do Vik Muniz). O Saúde
Criança está em sétimo lugar, e precisa melhorar a posição para
garantir uma parte no prêmio de 250 mil dólares que será repartido
entre as ONGs que mais arrecadarem.
O
desafio termina no próximo dia 22 de novembro. Até lá, é só ir
ao site, que fica em crowdrise.com/SaudeCrianca, e fazer a sua
doação. Doe o valor de uma manicure, por exemplo, ou de um jantar:
não vai fazer falta a você, e vai ajudar muito a uma causa que é
nobre e digna de apoio.