Itaparica
sempre marcou presença no futebol nacional e aí está Obina, que
não me deixa mentir.
Quando eu era jovem, no distante século passado, cheguei a envergar a gloriosa camisa 2 do São Lourenço, sob a alcunha de Delegado, a mim aposta pelo técnico Hélio Gaguinho em alusão a meu eficaz policiamento da grande área — beque direito de recursos talvez limitados, mas aplicadíssimo.
Nessa época, o campeonato da ilha era aguerridamente disputado por diversos times hoje legendários, que protagonizaram epopeias futebolísticas inesquecíveis pelo Recôncavo afora, como por exemplo a que envolveu meu saudoso amigo Vavá Paparrão, na condição de ponta-direita do Esporte Clube Ideal, enfrentando, em contenda decisiva, na casa de um adversário que jogava pelo empate, a por todos respeitada equipe da Associação Atlética São Bartolomeu de Maragogipe.
Não estive presente no episódio, mas ouço relatos desde pequeno.
Quando eu era jovem, no distante século passado, cheguei a envergar a gloriosa camisa 2 do São Lourenço, sob a alcunha de Delegado, a mim aposta pelo técnico Hélio Gaguinho em alusão a meu eficaz policiamento da grande área — beque direito de recursos talvez limitados, mas aplicadíssimo.
Nessa época, o campeonato da ilha era aguerridamente disputado por diversos times hoje legendários, que protagonizaram epopeias futebolísticas inesquecíveis pelo Recôncavo afora, como por exemplo a que envolveu meu saudoso amigo Vavá Paparrão, na condição de ponta-direita do Esporte Clube Ideal, enfrentando, em contenda decisiva, na casa de um adversário que jogava pelo empate, a por todos respeitada equipe da Associação Atlética São Bartolomeu de Maragogipe.
Não estive presente no episódio, mas ouço relatos desde pequeno.
São
dessas histórias do futebol e do grande atletismo. Logo no começo
do primeiro tempo, Paparrão recebeu um lançamento em profundidade
de Waltinho Filósofo, à altura da intermediária, dominou o balão
de couro, fechou para o centro, traçou um, traçou dois, traçou
três, traçou quatro e arremessou rasteiro de canhota, sem chance de
defesa para o famoso guarda-vala maragogipense Carrapato, que ainda
mergulhou na direção do esférico, mas não viu nem a passagem
dele.
Foi um delírio na torcida, com invasão de campo e tudo mais. Inconformada, a agremiação da casa passou a perseguir Paparrão com violência por toda a cancha, encorajada pela conivência de Sua Senhoria, que fazia vista grossa e mandava seguir o jogo, sem ligar para Paparrão contorcendo-se em dores no gramado.
Foi um delírio na torcida, com invasão de campo e tudo mais. Inconformada, a agremiação da casa passou a perseguir Paparrão com violência por toda a cancha, encorajada pela conivência de Sua Senhoria, que fazia vista grossa e mandava seguir o jogo, sem ligar para Paparrão contorcendo-se em dores no gramado.
Não
adiantou, porque, como o gigante Anteu, que se erguia revigorado de
cada queda ao solo, Vavá se levantava para de novo infernar a defesa
adversária. Terminou marcando mais um gol e dando um passe açucarado
para Bertinho Penico fazer o terceiro no apagar das luzes, uma
vitória esmagadora.
Festa na delegação itaparicana, Paparrão aclamado como o herói da jornada. Mas eis que, ao tentar juntar-se aos que faziam a volta olímpica, ele não conseguiu firmar-se em pé. Para resumir: tinha fraturado a perna em dois lugares, durante o jogo, mas — sabe como é, sangue quente, disputa na raça, o sujeito fica fora de si — só foi notar depois que saiu de campo. Havia diversas testemunhas, mas, infelizmente, todas elas também já se finaram.
Festa na delegação itaparicana, Paparrão aclamado como o herói da jornada. Mas eis que, ao tentar juntar-se aos que faziam a volta olímpica, ele não conseguiu firmar-se em pé. Para resumir: tinha fraturado a perna em dois lugares, durante o jogo, mas — sabe como é, sangue quente, disputa na raça, o sujeito fica fora de si — só foi notar depois que saiu de campo. Havia diversas testemunhas, mas, infelizmente, todas elas também já se finaram.
No
tempo em que o Bahia se concentrava na ilha, todo mundo ia assistir
aos craques locais botando os medalhões na roda, notadamente
Chupeta. Este, aliás, eu mesmo conheci e tentei marcá-lo diversas
vezes, na companhia de meu compadre Edinho. Compadre Edinho é um
burro de um homem deste tamanho, seguramente para mais de sete
arrobas, e nós dois partíamos em dupla, para marcar Chupeta na
praia. Chupeta era desses canhotos, como Maradona, que escondem a
bola junto ao pé esquerdo, mas eu tentava fazer com que ele a
adiantasse e Edinho jogava um punhado de areia na cara dele. Não
adiantava nada e ele sempre passava, do mesmo jeito com que passava
por todo o time do Bahia, que, por sinal, tentou levá-lo diversas
vezes, mas não conseguiu.
Tudo
isto é para mostrar que o debate encetado no Bar de Espanha, no qual
se chegou até mesmo à alarmante — e certamente alarmista —
sugestão de que o futebol acabou, conta com participantes e plateia
à altura da importância do assunto, brasileiros que sabem o que
estão dizendo, é bom prestar atenção. Lá dos fundos, mal se
vendo de onde ela saía, uma voz roufenha, logo por todos
reconhecida, interferiu na discussão.
— O
futebol acabou quando acabou o gol de bunda — disse Zecamunista,
saindo da sombra e levantando a pala de seu boné da Marinha
Soviética. — Todo mundo aqui já viu gol de bunda, alguns até já
fizeram, é para curtir com a cara do adversário mesmo, não é
esporte? Agora não pode mais. Não pode fazer embaixada, não pode
dar dribles supérfluos, Garrincha não ia poder mais, agora só pode
jogada politicamente correta! Daqui a pouco vão fazer a lista das
jogadas que pode e que não pode! E vão patentear as jogadas, vão
vender patrocínios para as jogadas, só quem vai poder fazer é quem
o patrocinador autorizar! Vai ter o voleio da Coca-Cola, a cavadinha
da Skol e a pedalada da Caloi! Vão regular tudo, vão vender tudo,
vão...
— Tenha
calma, Zeca, também não é assim.
— É
pior! Acabaram com o juiz ladrão! Não pode acabar com o juiz
ladrão! Onde já se viu futebol sem juiz ladrão?
— Tenha
paciência, não sei como alguém pode defender o juiz ladrão.
— Pois
eu defenderei até a morte a preciosa figura do juiz ladrão! Como
vão ficar as torcidas derrotadas, no dia seguinte? Quantas vezes a
atuação de um bom juiz ladrão evitou uma briga séria ou até um
suicídio? Tem que ter juiz ladrão! Agora vão botar máquina para
tirar dúvidas e corrigir os erros. Que graça tem isso, empobrece o
futebol! O futebol acabou, estão acabando de matar o futebol!
— Exagero
seu, as torcidas continuam.
— Continuam,
é uma maravilha. O camarada vai ao estádio e recebe uma paulada na
cabeça e um chute na barriga. Ou então veste a camisa do time, vai
ao boteco e toma um tiro na cabeça. Isto não é torcer por futebol,
é esporte radical. Caçar tubarão é mais seguro.
— Já
senti que você não vai nem torcer pela seleção, nesta Copa.
— Não,
isso eu vou, é uma questão profissional, é a única chance de
apostar no Brasil e ganhar.