De há muito tinha notado
que, pelo que respeita à conduta, é necessário algumas vezes seguir como
indubitáveis opiniões que sabemos serem muito incertas, (...).
Mas, agora que resolvera
dedicar-me apenas à descoberta da verdade, pensei que era necessário proceder
exactamente ao contrário, e rejeitar, como absolutamente falso, tudo aquilo em
que pudesse imaginar a menor dúvida, a fim de ver se, após isso, não ficaria
qualquer coisa nas minhas opiniões que fosse inteiramente indubitável.
Assim, porque os nossos
sentidos nos enganam algumas vezes, eu quis supor que nada há que seja tal como
eles o fazem imaginar. E porque há homens que se enganam ao raciocinar, até nos
mais simples temas de geometria, e neles cometem paralogismos, rejeitei como
falsas, visto estar sujeito a enganar-me como qualquer outro, todas as razões
de que até então me servira nas demonstrações.
Finalmente, considerando
que os pensamentos que temos quando acordados nos podem ocorrer também quando
dormimos, sem que neste caso nenhum seja verdadeiro, resolvi supor que tudo o
que até então encontrara acolhimento no meu espírito não era mais verdadeiro
que as ilusões dos meus sonhos.
Mas, logo em seguida,
notei que, enquanto assim queria pensar que tudo era falso, eu, que assim o
pensava, necessáriamente era alguma coisa.
E notando esta verdade: eu
penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as extravagantes
suposições dos cépticos seriam impotentes para a abalar, julguei que a podia
aceitar, sem escrúpulo, para primeiro princípio da filosofia que procurava.