Ler e reler os contos de Machado de Assis tem sido um exercício que faço há muitos anos. Uma fonte inesgotável, na qual se bebe o que há de melhor na literatura universal. De alguns deles guardo na memória trechos inteiros. Em muitas das minhas novelas coloquei, entre os personagens, uma dessas mulheres que saciam e seduzem os curiosos do futuro: ficarei rico? Serei amado? Conseguirei o emprego? Serei ou estarei sendo traído? Nos postes do Leblon podem-se ler anúncios com a promessa de uma cartomante de trazer de volta, em menos de 24 horas, os amantes perdidos. É um sucesso. Na pesquisa que foi realizada para uma das minhas novelas — Por Amor, se não me engano —, garante-se que as mulheres é que formam o maior número de interessados.
No último fim de semana reli “A cartomante”, que está entre os meus contos preferidos. E após a releitura me lembrei — como sempre acontece — de uma história no mínimo intrigante pelo desfecho inesperado, ainda que oposto, que eu trago agora até vocês.
Tive um amigo que me contou ter ido um dia a uma cartomante, curioso em saber o que lhe reservava o futuro.
A mulher pôs as cartas na mesa, deu as respostas desejadas e, já no final da consulta, ele quis saber sobre o tempo de vida que ainda teria pela frente. A cartomante demorou alguns segundos olhando as cartas e depois fixou os olhos nele.
— Quer saber mesmo?
— Claro, pode dizer.
— Fique atento ao mês de maio dos anos pares.
— O que você vê nesse período?
— A morte. Não tenho como lhe dizer quando será, mas posso lhe garantir que maio será o mês e o ano será par. E, antes que ele perguntasse mais alguma coisa, ela ainda especificou:
— Entre os dias 5 e 9.
Roberto (era esse o nome dele) me disse que saiu de lá não propriamente preocupado, mas com aquelas informações teimando em permanecer na sua cabeça: maio. Ano par.
Entre os dias 5 e 9.
Estávamos em 1963, alguns dias antes do Natal.
Tínhamos então 30 anos. Ainda que ele não acreditasse nas cartomantes de fundo de quintal, como chamava essas mulheres que se fingem de ciganas, viu passar muitos maios, experimentando sempre certa ansiedade que só acabava no dia 1º de junho.
Era casado duas vezes e tinha três filhos: um menino da Eunice, a primeira mulher, duas meninas da segunda, a Vilminha. E na época em que me contou essa história estava de romance firme com Cristina, com quem pretendia se casar pela terceira vez.
— Ela é a verdadeira mulher da minha vida inteira.
A que veio para ficar. As outras só passaram.
Um mês antes de completar 40 anos, ao lado da Cris, num domingo de Fla-Flu e após um churrasco com amigos, Roberto fechou os olhos para dar um cochilo, mas aconteceu de pegar no sono. Num longo sono do qual nunca mais acordou.
Quando eu soube da sua morte, consultei o calendário para me certificar.
Estávamos em maio de 1973.
Dia 9, precisamente.