"Você tinha um monte de pedras nas mãos,
então resolveu limpá-las, deixá-las bonitas e fez um colar.
Meg ganhou um colar de joias e se enforcou com ele".
Não vou falar sobre “13 reasons why”, a série que está dando o que falar nos prós e contras e que despertou (isso mesmo, só agora!) para a necessidade de romper com os tabus que silenciam as discussões nas mais diversas camadas sociais sobre o que é e como lidar com a depressão e o suicídio. Porém, também vou me utilizar de uma obra artística para tratar do tema, livro que li recentemente, emprestado de uma amiga. É o livro “Eu estive aqui”, de Gayle Forman, publicado em português pela editora Arqueiro em 2015.
O romance conta a história de Cody, uma adolescente entrando na vida adulta e as formas que encontra para lidar com a dor da perda recente de sua “melhor metade”, Meg, que se suicida ingerindo veneno num quarto de hotel.
Cody se sente responsável pela morte de Meg, na medida em que era sua melhor amiga e “não sabia de nada”, como a personagem narra em diversos trechos do livro. De leitura fluida, instigante e melancólica, Cody adentra no universo de Meg, após ganhar dos pais dela o notebook que Meg utilizava na faculdade. Nele, Cody descobre arquivos corrompidos na lixeira e faz de tudo para recuperá-los, chegando a um grupo de “ajuda”, que na verdade é de incentivo, a pessoas com intenções suicidas.
Sem dar mais spoylers, porque vale a pena ler o livro - que em breve vai ser lançado como filme, Forman trabalha de forma sensível com a necessidade de perdoar – a si e aos outros – e a busca pela coragem em se falar abertamente sobre depressão.
Mesmo quando o ambiente hostil externo em que vivemos nos diga com frequência que precisamos ser imensamente felizes e gratos pelas boas oportunidades que temos – já que há uma imensa incongruência estatística, uma vez que a classe média sofre de depressão e se suicida, “mesmo tendo tudo”.
O romance explora, também, a possível responsabilidade que outras pessoas, ao magoar alguém, possam exercer sobre a decisão de alguém tirar a própria vida. Em certa medida, fala até mesmo sobre meritocracia, sobre a exigência moderna de que toda dor tenha que ser transformada em algo produtivo. Questiono-me se deva mesmo e até que ponto.
Sobre isso, destaco a fala da mãe de Cody: “Meg tinha tudo. Toda aquela inteligência. Uma bolsa de estudos para uma boa faculdade. Tinha até esse computador caro que você não consegue largar. – Ela volta a me encarar. – Você só tinha a mim. E é inteligente, não me entenda mal, mas não como Meg. Ficou limitada a uma porcaria de faculdade comunitária. (...) O que quero dizer é: você nunca desistiu, nem da dança, nem da matemática, nem em nada, e talvez tivesse mais motivos para isso [suicidar-se].
Você tinha um monte de pedras nas mãos, então resolveu limpá-las, deixá-las bonitas e fez um colar. Meg ganhou um colar de joias e se enforcou com ele" (p. 124-5).
Trazendo isso à tona quero dizer que precisamos de menos discussões teóricas (embora elas sejam importantes e eu própria seja uma acadêmica) e mais empatia, mais se colocar no lugar do outro, mais amar o outro, mais perdoar nossas “falhas” e incompletudes e também as do outro. Precisamos de mais gente sendo gente, pois de juízes o mundo está cheio.
E, sobre “13 reasons why”, assisti à série recentemente. Morosamente, pois disse desde o início que a estava odiando. Na verdade era resistência em encarar a identificação com o nosso próprio real do cotidiano. “Pecamos” com os outros sem nem nos darmos conta. O tempo todo. Mas esse é tema para um outro artigo.