Estava
vivendo um tempo em Londres, maravilhado com aquela mágica atmosfera londrina
da segunda metade dos anos 80. Uma das coisas me levou até lá foi a música.
Uma
das características mais fascinantes da cidade é a quantidade de lugares onde
se pode ouvir música ao vivo. Nos parques, estações de metrô e restaurantes, na
hora do almoço. A partir do entardecer a oferta aumenta e não existe lugar no
mundo com mais estabelecimentos com música ao vivo.
Os
pubs londrinos são famosos, não se precisa acrescentar nada ao que já foi dito
quanto a isso.
Tive
vontade de tocar num pub na hora do almoço. Uma apresentação solo. Voz e violão,
como nunca havia feito ou sequer cogitado até aquele momento. Um pocket show de
bossa-nova. Nunca fui bom em decorar nem as minhas próprias letras, mas como
eram todas em português, mesmo que eu errasse ninguém perceberia. A vida
inteira participei de bandas, nunca havia feito uma apresentação solo.
Meus
amigos ingleses se encarregaram de conseguir o lugar para que eu realizasse
minha fantasia musical.
Era
um restaurante bastante agradável e espaçoso. Claro e arejado, nem parecia ser
londrino. O pequeno palco era baixo e a altura do som era regulada como música
ambiente. Não incomodaria quem estivesse conversando. Perfeito para mim.
Uma
experiência similar a dos músicos de churrascaria, mas em Londres. Pelo menos,
não tinha ninguém conhecido se o fiasco acontecesse. Isso me trazia calma.
Depois
de desfilar um monte de Djavan, Toquinho, Gil, Tom e Vinícius, resolvi
finalizar o set cantando Águas de Março.
Durante
toda a apresentação, uma mesa próxima demonstrara estar gostando. Das sete ou
oitos pessoas, um homem em particular estava bastante entusiasmado. Inclusive,
me pareceu cantar algumas em português. Pelo tipo físico, era inglês com
certeza.
Quando
iniciei o primeiro “é pau, é pedra...”, do que seria a última musica, ele se
levantou, subiu o pequeno degrau do palco e fiz-lhe um gesto encorajando-o a se
aproximar. Parei de tocar, ele se apresentou gentilmente e disse que sabia a
letra da música, em português...
Quase
que eu lhe respondi:
-
Que bom, porque eu mesmo não sei...
Mas,
achei melhor não.
O
inglês pegou o microfone auxiliar e começamos o dueto mais surreal da minha
vida. Como eu sabia que aquele restaurante era freqüentado quase que exclusivamente
por ingleses, e eles não tem o costume de decorar a letra de Águas de março,
não me preocupara com minha amnésia musical até aquele momento.
Mas,
o desgraçado sabia a letra todinha... E, a partir da segunda estrofe , eu
comecei a misturar pau com pedra, com toco, com fim do caminho, com chuva e o
inglês tentando ir atrás do que eu falava...
Claro,
afinal o brasileiro ali era eu. Se tinha alguém errando a letra em português só
poderia ser ele!
Logo
após soar o último acorde daquele desastroso dueto internacional, o pobre
inglês aproximou-se, nitidamente constrangido, e ficou se desculpando por um
bom tempo por ter se atrapalhado com letra. Afinal, disse ele, o português é
uma língua muito difícil... No que eu concordei prontamente. Ele ficou tão
inconformado que quase confessei para ele que quem errara a letra inteira fora
eu. Ele acertara tudo. Mas, achei melhor deixar quieto.
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