É inverno no Rio de Janeiro. A estação traz um ar civilizado à cidade, uma calma que não se encontra nos meses tórridos. O ano de 2014 nos brindou com um julho perfeito, de chuvas passageiras, atmosfera limpa e sol ameno.
Foi num dia assim que eu soube da morte de Tintim, a dona do Guimas, assassinada à queima-roupa com um tiro na cabeça. Vítima da saidinha de banco, Maria Cristina Mascarenhas morreu no bairro que ajudou a transformar, perto de uma banca de flores; cenário bucólico, como o tempo frio.
A violência não escolhe o dia.
Há cerca de um mês, numa tarde bonita dessas, eu voltava de São Conrado com os meus. Entardecia e o engarrafamento se estendia por toda a Lagoa-Barra. Lentamente, vencemos a boca do túnel. Logo após a entrada, uma moto emparelhou conosco do lado esquerdo.
Não estranhei até meu filho berrar para sairmos dali. Sentada no banco do carona, vi dois homens pela janela do motorista. Eles vestiam casaco de malha escuro com um capuz que só deixa a boca e o nariz de fora. Nervosos, exigiam os celulares. Na mão direita do garupa havia um objeto metálico apontado na nossa direção. Era um revólver.
Meu companheiro bateu no vidro com os dedos e forçou a leitura labial, evidenciando as sílabas para que entendessem. “É blindado”, ele disse. A lembrança me deu coragem de encarar a pistola, uma automática prateada mirada para mim. Eu me ative ao buraco negro de onde partiria o tiro, o orifício escuro, a morte. Lembrei de uma amiga que sobrevivera a cinco disparos na cara, graças ao reforço extra do carro. Não tive pânico, só um leve temor de que o vidro não resistisse ao confronto.
Irritado, o motoqueiro chutou o retrovisor e me tirou do estado letárgico. Meti a mão na buzina. Forçamos a passagem pelo meio dos carros, acelerando sem olhar para trás. Os gatunos devem ter tomado o primeiro retorno pela galeria e escapado para a outra pista. Não os vimos mais.
Longe do perigo, fui parabenizada por ter justificado o gasto com a blindagem, feito ao longo da vida. Agradeci a Deus pelo custoso seguro.
Nós continuamos abrindo caminho até avistar uma patrulha da guarda civil presa no trânsito do Zuzu Angel. Dado o aviso, a guarda teve uma atitude lógica: ligou a sirene e saiu batido. Era a única direção possível, mas a cena pareceu mais uma debandada. A guarda civil não tem porte de arma.
Sempre considerei absurdo, quase obsceno, passear por aí num blindado. Eu me rendi ao costume durante um período belicoso da Rocinha. Fui pegar meu filho na escola e dei com um caveirão atravessado no alto da Marquês de São Vicente.
Três soldados trocavam um pneu furado, enquanto dez homens tensos, de escopeta e colete, faziam a escolta. Eram mundos paralelos, o meu e o do pelotão, convivendo apertados na ladeira que leva ao morro. Mandei blindar.
Não me orgulho, mas não me arrependo. Hoje, talvez, eu não estivesse aqui para contar a história.