AS DUAS ÉTICAS: a ética
que brota da contemplação das estrelas perfeitas, imutáveis e mortas, a que os
filósofos dão o nome de ética de princípios, e a ética que brota da
contemplação dos jardins imperfeitos e mutáveis, mas vivos -a que os filósofos
dão o nome de ética contextual.
Os jardineiros não olham
para as estrelas. Eles nada sabem sobre os estrelas que alguns dizem já ter
visto por revelação dos deuses.
Como os homens comuns não
vêem essas estrelas, eles têm de acreditar na palavra dos que dizem já as ter
visto longe, muito longe...
Os jardineiros só
acreditam no que os seus olhos vêem. Pensam a partir da experiência: pegam a terra
com as mãos e a cheiram...
Vou aplicar a metáfora a
uma situação concreta. A mulher está com câncer em estado avançado. É certo que
ela morrerá. Ela suspeita disso e tem medo.
O médico vai visitá-la.
Olhando, do fundo do seu medo, no fundo dos olhos do médico ela pergunta:
"Doutor, será que eu escapo desta?"
Está configurada uma
situação ética. Que é que o médico vai dizer?
Se o médico for um adepto
da ética estelar de princípios, a resposta será simples. Ele não terá que
decidir ou escolher. O princípio é claro: dizer a verdade sempre. A enferma
perguntou. A resposta terá de ser a verdade. E ele, então, responderá: "Não,
a senhora não escapará desta. A senhora vai morrer..." Respondeu segundo
um princípio invariável para todas as situações.
A lealdade a um princípio
o livra de um pensamento perturbador: o que a verdade irá fazer com o corpo e a
alma daquela mulher? O princípio, sendo absoluto, não leva em consideração o
potencial destruidor da verdade.
Mas, se for um jardineiro,
ele não se lembrará de nenhum princípio. Ele só pensará nos olhos suplicantes
daquela mulher. Pensará que a sua palavra terá que produzir a bondade. E ele se
perguntará: "Que palavra eu posso dizer que, não sendo um engano -"A
senhora breve estará curada...'-, cuidará da mulher como se a palavra fosse um
colo que acolhe uma criança?" E ele dirá:
"Você me faz essa
pergunta porque você está com medo de morrer. Também tenho medo de
morrer..." Aí, então, os dois conversarão longamente -como se estivessem
de mãos dadas ...- sobre a morte que os dois haverão de enfrentar.
Como sugeriu o apóstolo
Paulo, a verdade está subordinada à bondade.
Pela ética de princípios,
o uso da camisinha, a pesquisa das células-tronco, o aborto de fetos sem
cérebro, o divórcio, a eutanásia são questões resolvidas que não requerem
decisões: os princípios universais os proíbem.
Mas a ética contextual nos
obriga a fazer perguntas sobre o bem ou o mal que uma ação irá criar. O uso da
camisinha contribui para diminuir a incidência da Aids? As pesquisas com
células-tronco contribuem para trazer a cura para uma infinidade de doenças? O
aborto de um feto sem cérebro contribuirá para diminuir a dor de uma mulher? O
divórcio contribuirá para que homens e mulheres possam recomeçar suas vidas
afetivas? A eutanásia pode ser o único caminho para libertar uma pessoa da dor
que não a deixará?
Duas éticas. A única
pergunta a se fazer é: "Qual delas está mais a serviço do amor?"
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