Já existe dia de quase tudo. Ou quase todos. Começou com o Dia das Mães. Um americano, cujo nome até hoje é reverenciado onde quer que diretores lojistas se reúnam, mas que no momento me escapa, foi o inventor do Dia das Mães. Fez isso pensando na própria mãe.
Naquela mulher extraordinária que o carregara no ventre durante nove meses sem cobrar um tostão, que o amamentara, que o embalara em seu berço, costurara a sua roupa, forçara óleo de rícino pela sua goela abaixo e uma vez, quando o descobrira dando banho no cachorro no panelão de sopa, quebrara uma colher de pau na sua cabeça. Sim, aquela mulher que se sacrificara por ele sem pedir nada de volta, mas que agora exigia uma mesada maior porque estava perdendo demais nos cavalos. De nada adiantara o seu protesto.
- Não posso, mamãe. Os negócios não vão bem.
- Não interessa.
- Nós só ganhamos dinheiro mesmo no Natal. No resto do ano...
E então o rosto dele se iluminara. Tivera uma idéia. A mãe não entendeu e espalhou para os seus amigos no hipódromo que o filho finalmente perdera o juízo que tinha. Mas a idéia era brilhante. Ele a apresentou numa reunião de varejistas naquele mesmo dia.
- Precisamos criar dois, três, muitos Natais!
- Espera aí - disse alguém. - Mas só houve um Jesus Cristo.
- E os apóstolos? São doze apóstolos. Cada um também não tinha o seu aniversário?
- Mas ninguém sabe o dia.
- Melhor ainda. Inventaremos, todo mês, o aniversário de um apóstolo. Teremos natais o ano inteiro!
Mas a idéia não agradou. Apóstolo não tinha o apelo de vendas de um Jesus Cristo. Mesmo assim, a idéia de criar outras datas para os fregueses se darem presentes era boa. Era preciso motivar as pessoas. Era preciso forçar as vendas. Era preciso ganhar mais dinheiro. Nem que fosse para a mãe perder nos cavalos.
- Aquela bruxa velha - murmurou ele.
- O que foi?
- Estava pensando na mãe.
- A mãe! É isso!
- O quê?
- A mãe! O Dia das Mães. Você é um gênio!
Foi um sucesso. Ninguém podia chamar aquilo de oportunismo comercial, pois ser contra o Dia das Mães equivaleria a ser contra a Mãe como instituição. Isto chocaria a todos, principalmente às mães. Que, como se sabe, formam uma irmandade fechada com ramificações internacionais. Como a Máfia. As mães também oferecem proteção e ameaçam os que se rebelam contra elas com punições terríveis que vão da castração simbólica à chantagem sentimental. Pior que a Máfia, que só joga as pessoas no rio com um pouco de cimento em volta.
O Dia dos Pais também nasceu nos Estados Unidos, mas custou a aparecer devido ao puritanismo que, sabidamente, influenciou a história americana durante anos. Foi só na década de 20 deste século que os americanos estabeleceram uma relação entre o ato sexual e a procriação de filhos. Até então julgava-se que as mães geravam os filhos sozinhas e que o sexo, como a bebida e um joguinho de cartas, era apenas uma coisa que os homens gostavam de fazer aos sábados. Instituída a proibição do sexo em todo território nacional - a chamada Lei Neca, uma corolária da Lei Seca - notou-se uma acentuada queda no número de nascimentos. Concluíu-se então que o homem era importante. A nova importância atribuída ao homem foi veementemente combatida pelas mulheres da época e até hoje existem bolsões de resistência. Muitas mulheres consideram os homens perfeitamente dispensáveis no mundo, a não ser naquelas profissões reconhecidamente masculinas, como as de costureiro, cabeleireiro, decorador de interiores e estivador. Estabelecido o papel essencial do homem na constituição da família, no entanto, não tardou para que o varejistas lançassem o Dia dos Pais - também chamado, por alguns homens, de Dia do Papai Aqui e por algumas mulheres, com um sorriso secreto, de Dia do Pai Presumível. Outro sucesso de vendas.
Dia da Secretária. Este também teve uma origem curiosa. Segundo algumas versões, ele começou no Brasil, quando uma mulher descobriu na agenda do marido a seguinte inscrição: "Flores e bombons para a Bete. Mandar entregar no motel".
- Quem é essa Bete? - perguntou a mulher com fingido desinteresse, sacudindo o marido pelo pescoço.
- Ora, quem é a Bete. É a Dona Elizabete, minha secretária. Você conhece ela!
- Conheço e sei que o aniversário dela já passou. Por que as flores e os bombons?
- Onde é que você viu isso?
- Na sua agenda.
- E você viu a data na agenda?
- O que é que tem a data?
- É o Dia da Secretária.
- Nunca ouvi falar.
- Foi recém-inventado - disse o marido, que tinha inventado naquele minuto.
- E o motel? Por que entregar no motel?
- A dona Elizabete está morando no motel, provisoriamente, até que terminem os reparos na sua casa.
- O que houve com a casa dela?
- Você não soube? Foi arrasada por uma manada de elefantes.
- Você espera que eu acredite nisso?!
- Meu bem, eu inventaria uma história destas?
- É, acho que não. Desculpe, querido.
- Está desculpada. Agora largue o meu pescoço.
Por que não um Dia dos Amantes? Já existe o Dia dos Namorados e hoje em dia a diferença entre namorado e amante tornou-se um pouco vaga. Quando é que namorados se transformam em amantes? Segundo uma moça, experimentada na questão, que consultamos, se a mulher der para o mesmo homem mais de dezessete vezes seguidas ele deixa de ser seu namorado e, tecnicamente, passa a ser seu amante. Os critérios variam, no entanto. Em certas regiões, só depois de dormirem juntos dois anos é que namorados se tornam legalmente amantes. Alguns estabelecem um meio-termo razoável: dezessete vezes ou dois anos, o que vier primeiro. Outros afirmam que a diferença está no grau de intimidade dos dois tipos de relacionamento. Num caso, as pessoas vão para qualquer lugar onde haja camas - apartamento, hotel, ou motel, sendo desaconselháveis hospitais, quartéis e lojas de móveis - tiram a roupa um do outro, às vezes usando só os dentes, atiram-se na cama, rolam de um lado para o outro, enfiam-se os dedos no orifício que estiver por perto, lambem-se, chupam-se, com ou sem canudinho, massageiam-se mutuamente com Chantibon, depois o homem penetra o corpo da mulher com seu órgão intumescido e os dois corpos movem-se em sincronia até o orgasmo simultâneo entre gritos e arranhões. Então se separam, suados, e vão tomar um banho juntos antes de saírem para a rua. Quer dizer, uma coisa superficial e corriqueira. Já o namoro, não. No namoro, não apenas o órgão intumescido mas todo o corpo do namorado penetra na própria casa da namorada todas as quartas-feiras. Eles se sentam lado a lado no sofá quente, coxa a coxa, e chegam a entrelaçar os dedos das mãos. Muitas vezes comem a ambrósia preparada pela mãe da moça com a mesma colher, gemendo baixinho. Existe ainda o prazer indiscritível de roçar com o braço o lado do seio da namorada, enquanto se conversa sobre futebol com o pai dela, um prazer que aumenta se, por sorte, estiver com um daqueles sutiãs pontudos usados pela última vez no Ocidente por Terry Moore, em 1953. A namorada, não o pai dela. Isto é que é intimidade.
Existem outros critérios para diferenciar namorado de amante. Amante é o namorado que leva pijama, por exemplo. Uma maneira certa de saber que o namorado já é amante é quando, pela primeira vez, em vez de dar uma para de meias para ele no Dia dos Namorados, ela dá um par de cuecas. E você terá certeza de que ele é amante quando alguém sugerir que ela lhe dê um certo tipo de cuecas e ela responder, distraidamente: "Esse tipo ele já tem..."
Mas estamos falando de namorados, ou amantes, solteiros. No caso de homem casado e com uma amante a coisa se torna mais complicada ainda e mais invejável. Antes de lançar o Dia dos Amantes os lojistas teriam que fazer uma pesquisa de mercado. O que despertaria a desconfiança dos entrevistados.
- O senhor tem amante?
- Foi a minha mulher que o mandou?
- Estamos fazendo uma pesquisa de mercado e...
- Onde é que está o microfone? É chantagem, é?
- Não, cavalheiro. Nós...
- Está bem, está bem. Tem uma moça que eu vejo. Mas nem se pode chamar de amante. Pelo amor de Deus! É só meia hora de três dias. E ela é bem baixinha. "Amante" seria um exagero. Mas eu prometo parar!
Uma vez decidido o lançamento do Dia dos Amantes, as agências de propaganda teriam que escolher a estratégia de marketing, ou, como se diz em português, o approach.
O tom das peças publicitárias variariam, é claro, de acordo com o tipo de comércio. As lojas de eletrodomésticos poderiam anunciar: "Tudo para o seu segundo lar". Ou então: "Faça-a sentir-se como a legítima. Dê a ela uma máquina de lavar roupa". As joalheria enfatizariam sutilmente o espírito de revanchismo do seu público alvo, sugerindo: "Aquele diamante que sua mulher vive pedindo... dê para a sua amante". Ou, pateticamente: "Já que ela não pode ter uma aliança, dê um anel...". Perfume: "Para que você nunca confunda as duas, dê Furor só para a outra..." Utilidades: "No dia dos amantes, dê a ela um despertador. Assim você nunca se arriscará a chegar tarde em casa".
Os comerciais para a televisão poderiam explorar alguns lugares-comuns. Por exemplo: homem entra no quarto e encontra amante na cama. Atira um presente no seu colo. Isso a faz lembrar de uma coisa. Ela abre a gaveta da mesa de cabeceira e tira um presente também. Ele vai pegar, mas o presente não é pra ele. Ela levanta da cama, abre o armário e dá o presente para o seu amante escondido lá dentro. Congela a imagem. Sobrepõe logotipo do anunciante e a frase: "Neste Dia dos Amantes, dê uma surpresa". Hein? Hein? Está bem, era só um exemplo.
As confusões seriam inevitáveis. Marido e mulher se encontram numa loja de lingerie. Espanto da mulher:
- Você aqui?
Marido:
- Ahm, hum, hmmm, sim, ohm, ahm, ram.
- E escolhendo uma camisola!
- É que, ram, rom, ham, ahm, grum. Certo. Quer dizer...
- Você pode me explicar o que está havendo?
- Grem, grum rahm, rhom, ahn...
- Não vai me dizer que estava comprando pra mim. Há anos que não uso camisola. Ainda mais desse tipo, preta, transparente e com decote até o umbigo.
- Eu posso explicar.
- Então explique.
- Ahm, rom, rum, rahm, grums.
- Explique melhor.
- Está bem! É para mim, está entendendo agora? Para mim!
- Você? Mas...
- Há anos que eu tento esconder isso de você. Agora você me pegou e eu vou revelar tudo. Adoro dormir de renda preta! Só me controlei até hoje por causa das crianças!
- Ela compreende. Tenta acalmá-lo. Mas ele agora está agitado. Bate no balcão e grita:
- Também quero ligas vermelhas, um chapelão e chinelos de pompom grená!
Ela o leva para casa, cheia de resignada compreensão. A amante ficará sem o seu presente de Dia das Amantes, mas pelo menos o marido terá evitado qualquer suspeita. O único inconveniente é que terá de dormir de camisola preta pelo resto da sua vida conjugal.
Por que não um Dia dos Amantes? Você teria que tomar certas precauções, além de jamais entrar numa loja de lingerie. Como uma ausência sua em casa no Dia dos Amantes despertaria desconfiança, telefone para casa antes de ir festejar com a amante.
- Alô, a patroa está?
- Não, senhor.
- Estranho. Ela costuma estar em casa a esta hora. Mas é melhor assim. Diga para ela que eu vou me atrasar um pouco. Estou no hospital para curativos. Nada grave. Fui atropelado por uma manada de elefantes.
- Sim, senhor.
Você se dirige para a casa da amante, com o embrulho do presente embaixo do braço. Começa a pensar na ausência da sua mulher em casa. Onde ela teria ido? Lembra-se então de que a viu mais de uma vez olhando com interesse uma vitrine cheia de cachimbos. Na certa pensando num presente para lhe dar. E súbito você pára na calçada como se tivesse batido num elefante. Você não fuma cachimbo!
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