Quando
expressões como “mulata” ou “a coisa tá preta” se tornam naturais, é indício do
quanto a opressão e o preconceito estão incorporados à visão de mundo das
pessoas
Mais
de 300 anos de passado escravista não se apagam facilmente. Sinal disso é a
extensa lista de expressões das quais as pessoas nem percebem a conotação
racista. São tantas que, em 2009, o professor de biologia Luiz Henrique Rosa
fez um levantamento no Rio de Janeiro. Junto com seus alunos, contabilizou 360
termos de cunho racista, no projeto “Qual é a graça”. Isso só na escola em que
ele leciona.
Palavras
dizem muito sobre a história e a cultura de uma sociedade. Quando expressões
como “mulata” ou “a coisa tá preta” se tornam naturais, é indício do quanto a
opressão e o preconceito estão incorporados à visão de mundo das pessoas. Entre
sutilezas, brincadeiras e aparentes elogios, a violência simbólica se amplia
quando expressões como estas são repetidas:
“Cor de pele”
Aprende-se
desde criança que “cor de pele” é aquele lápis meio rosado, meio bege. Mas é
evidente que o tom não representa a pele de todas as pessoas, principalmente em
um país como o Brasil. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD) de 2014, realizada pelo IBGE, 53% dos brasileiros se
declararam pardos ou negros.
“Doméstica”
Negros
eram tratados como animais rebeldes e que precisavam de “corretivos”, para
serem “domesticados”.
“Estampa étnica”
Estampa
parece ser, no mundo da moda, apenas aquela criada pelo olhar eurocêntrico.
Quando o desenho vem da África ou de outra parte do mundo considerada “exótica”
segundo essa visão, torna-se “étnica”.
“A dar com pau”
Expressão
originada nos navios negreiros. Muitos dos capturados preferiam morrer a serem
escravizados e faziam greve de fome na travessia entre o continente africano e
o Brasil. Para obrigá-los a se alimentar, um “pau de comer” foi criado para
jogar angu, sopa e outras comidas pela boca.
“Meia tigela”
Os
negros que trabalhavam à força nas minas de ouro nem sempre conseguiam alcançar
suas “metas”. Quando isso acontecia, recebiam como punição apenas metade da
tigela de comida e ganhavam o apelido de “meia tigela”, que hoje significa algo
sem valor e medíocre.
“Mulata”
Na
língua espanhola, referia-se ao filhote macho do cruzamento de cavalo com
jumenta ou de jumento com égua. A enorme carga pejorativa é ainda maior quando
se diz “mulata tipo exportação”, reiterando a visão do corpo da mulher negra
como mercadoria. A palavra remete à ideia de sedução, sensualidade.
“Cor do pecado”
Utilizada
como elogio, se associa ao imaginário da mulher negra sensualizada. A ideia de
pecado também é ainda mais negativa em uma sociedade pautada na religião, como
a brasileira.
“Samba do crioulo doido”
Título
do samba que satirizava o ensino de História do Brasil nas escolas do país
nos tempos da ditadura, composto por Sérgio Porto (ele assinava com o
pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta). No entanto, a expressão debochada, que
significa confusão ou trapalhada, reafirma um estereótipo e a discriminação aos
negros.
“Ter um pé na cozinha”
Forma
racista de falar de uma pessoa com origem negra. Infeliz recordação do período
da escravidão em que o único lugar permitido às mulheres negras era a cozinha
da casa grande. Uma realidade ainda longe de mudar no Brasil.
“Moreno(a)”
Racistas
acreditam que chamar alguém de negro é ofensivo. Falar de outra forma, como
“morena” ou “mulata”, embranquecendo a pessoa, “amenizaria” o “incômodo”.
“Negro(a) de traços finos”
A
mesma lógica do clareamento se aplica à “beleza exótica”, tratando o que está
fora da estética branca e europeia como incomum.
“Cabelo ruim”
Fios
“rebeldes”, “cabelo duro”, “carapinha”, “mafuá”, “piaçava” e outros tantos
derivados depreciam o cabelo afro. Por vários séculos, causaram a negação do
próprio corpo e a baixa autoestima entre as mulheres negras sem o “desejado”
cabelo liso. Nem é preciso dizer o quanto as indústrias de cosméticos, muitas
originárias de países europeus, se beneficiaram do padrão de beleza que excluía
os negros.
“Não sou tuas negas”
A
mulher negra como “qualquer uma” ou “de todo mundo” indica a forma como a
sociedade a percebe: alguém com quem se pode fazer tudo. Escravas negras eram
literalmente propriedade dos homens brancos e utilizadas para satisfazer
desejos sexuais, em um tempo no qual assédios e estupros eram ainda mais
recorrentes. Portanto, além de profundamente racista, o termo é carregado de
machismo.
“Denegrir”
Sinônimo
de difamar, possui na raiz o significado de “tornar negro”, como algo maldoso e
ofensivo, “manchando” uma reputação antes “limpa”.
“A coisa tá preta”
A
fala racista se reflete na associação entre “preto” e uma situação
desconfortável, desagradável, difícil, perigosa.
“Serviço de preto”
Mais
uma vez a palavra preto aparece como algo ruim. Desta vez, representa uma
tarefa malfeita, realizada de forma errada, em uma associação racista ao
trabalho que seria realizado pelo negro.
Existem
ainda aquelas expressões que são utilizadas com tanta naturalidade que muita
gente sequer percebe a conotação negativa que tem para o negro. Por exemplo:
“Mercado negro”, “magia
negra”, “lista negra” e “ovelha negra”
Entre
outras inúmeras expressões em que a palavra ‘negro’ representa algo pejorativo,
prejudicial, ilegal.
“Inveja branca”
A
ideia do branco como algo positivo é impregnada na expressão que reforça, ao
mesmo tempo, a associação entre preto e comportamentos negativos.
Por
Chrystal Méndez - Portal Geledés
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Contos e Crônicas
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