Quando
pensamos num Deus criador, identificamo-no quase sempre como superior; e
qualquer que seja a doutrina que consideremos, admitimos sempre que Deus sabe
perfeitamente o que cria.
Assim,
o conceito do homem, no espírito de Deus, é assimilável ao conceito de um
corta-papel no espírito do industrial; e Deus produz o homem segundo técnicas e
uma concepção, exatamente como o artífice fabrica um corta-papel segundo uma
definição e uma técnica. Assim, o homem individual realiza um certo conceito
que está na inteligência divina.
No
século XVIII, para o ateísmo dos filósofos, suprime-se a noção de Deus, mas não
a idéia de que a essência precede a existência. O homem possui uma natureza
humana; esta natureza, que é o conceito humano, encontra-se em todos os homens,
o que significa que cada homem é um exemplo particular de um conceito universal
– o homem; para Kant resulta de universalidade que o homem da selva, o homem
primitivo, como o burguês, estão adstritos à mesma definição e possuem as
mesmas qualidades de base. Assim, pois, ainda aí, a essência do homem precede
essa existência histórica que encontramos na natureza. (…)
O
existencialismo ateu, que eu represento, é mais coerente. Declara ele que, se
Deus não existe, há pelo menos um ser no qual a existência precede a essência,
um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito, e que este
ser é o homem ou, como diz Heidegger, a realidade humana.
Que
significará aqui o dizer-se que a existência precede a essência? Significa que
o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se
define. O homem, tal como o concebe o existencialista, se não é definível, é
porque primeiramente não é nada. Só depois será alguma coisa e tal como a si
próprio se fizer. Assim, não há natureza humana, visto que não há Deus para
concebê-la.
O
homem é, não apenas como ele se concebe, mas como ele quer que seja, como ele
se concebe depois da existência, como ele se deseja após este impulso para a
existência; o homem não é mais que o que ele faz. Tal é o primeiro princípio do
existencialismo. É também a isso que se chama a subjetividade, e o que nos
censuram sob este mesmo nome. Mas que queremos dizer nós com isso, senão que o
homem tem uma dignidade maior do que uma pedra ou uma mesa? Porque o que nós
queremos dizer é que o homem primeiro existe, ou seja, que o homem, antes de
mais nada, é o que se lança para um futuro, e o que é consciente de se projetar
no futuro. (…)
Mas
se verdadeiramente a existência precede a essência, o homem é responsável por
aquilo que é. Assim, o primeiro esforço do existencialismo é o de pôr todo
homem no domínio do que ele é e de lhe atribuir a total responsabilidade da sua
existência.
E, quando dizemos que o homem é responsável por si próprio, não
queremos dizer que o homem é responsável pela sua restrita individualidade, mas
que é responsável por todos os homens.
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