Esse é o segundo texto da série AS CONSEQUÊNCIAS DA
IGNORÂNCIA. No primeiro, abordei a volta, ao Brasil, de doenças consideradas
erradicadas, como sarampo, febre amarela e outras, que tiveram na ignorância,
que assola a população brasileira, sua causa mais preocupante e profunda.
Nesse
segundo texto, observo que, mesmo com toda a boa vontade do mundo, a ignorância
pode causar déficits e graves prejuízos a população e ao país. Mesmo quando se
cria, de forma competente e eficaz, um serviço planejado e estruturado para servir
a todos como iguais.
Em 1948, foi instituído o sistema de saúde britânico. A
intenção era que todos, ricos e pobres, tivessem o melhor tratamento de saúde
existente.
A ideia, e posterior iniciativa parlamentar, foi calorosamente saudada por todos os súditos britânicos. Todos esperavam um ganho de qualidade que deveria ser sentido, principalmente pelos mais pobres, de imediato e de forma regular e perene.
O que aconteceu nos primeiros meses deixou os responsáveis e
governantes muito surpresos.
A diferença entre o tratamento dispensado a ricos e pobres
aumentou.
Como? Por quê?
Depois de muitos estudos, pesquisas e um trabalho intelectual
bastante árduo, verificou-se algo extraordinariamente lógico, mesmo que impensável
para os idealizadores.
Os mais ricos tinham um atendimento melhor por 2 motivos
básicos: sabiam se comunicar de forma mais efeciente (vocabulário, polidez e assertividade)
e sabiam de seus direitos mais detalhadamente.
No dia a dia dos hospitais, os atendentes dos serviços de
saúde, enfermagem e corpo médico, percebiam a diferença de classe social no
lidar com os pacientes. Pela forma de falar, pela cultura e conhecimentos
transparecidos durante as consultas.
Mas, porque todos esses profissionais favoreciam, mesmo que
de forma não declarada e muitas vezes imperceptível para a grande maioria, os
pacientes das classes mais altas?
Definitivamente, os motivos não eram de cunho
preconceituoso. Durante as pesquisas, feitas com metodologia, inédita na época,
de confrontação entre respostas em entrevistas pessoais com observações in loco de atendimentos reais, a boa
intenção e profissionalismo da esmagadora maioria das pessoas envolvidas ficou comprovado.
A vontade de transformar aquele projeto em algo real e eficaz era evidente.
A conclusão, que surpreendeu a todos os envolvidos nas
pesquisas, resumiu tudo a apenas 1 motivo: o medo.
Um dos mais primários e necessários instintos animais.
Simples, os profissionais sabiam que os mais ricos poderiam
fazer reclamações melhor embasadas, e sabiam, principalmente, a quem reclamar. Ou
seja, suas reclamações tinham muito mais peso e conseqüências.
A falta de vocabulário, falta de traquejo social e a ignorância, de como funcionava e como se davam
os processos burocráticos, cobrava seu preço.
Não se tratava de preconceito puro e simples. Era muito mais profundo. O
acesso a formação, informação e a sofisticação de raciocínio, adquiridas com os
estudos, impunham-se avassaladoramente, mesmo perante um sistema pensado e estruturado
para tratar a todos como iguais.
A conscientização de todos os envolvidos, vale dizer, o país
inteiro, foi a solução encontrada e efetivamente posta em prática.
Com o passar dos anos, as distorções foram sendo corrigidas e,
hoje, o sistema britânico é considerado dos melhores, senão o melhor do mundo.