Há uma canção de John Denver que ouvi várias vezes (no YouTube sob o nome de Leaving on a jet plane: http://www.youtube.com/watch?v=BhebvUZ7wGQ). Aí, ele narra que o amante está se despedindo da amada para pegar um avião. Parece coisa normal e bastante atual. Não é de hoje que os amantes se despedem. Mas há algo mais. Ele diz que suas malas estão prontas do lado de fora da porta, o táxi está esperando, buzinando, e ele está chateado de ter que acordar a amada para partir. Então, ternamente, ele canta o estribilho pedindo que a amada o beije, sorria e o abrace como se ele nunca fosse partir. Contudo, infelizmente, o avião o espera e ele não sabe quando vai voltar. Ele odeia fazer isto, mas não tem jeito, tem que ir, o avião etc.
Na outra estrofe, ele lembra quantas vezes teve que abandoná-la, entregou-se a outros amores, mas isso não significou nada, porque em toda parte ele pensava nela e, quando voltar, vai lhe trazer a aliança de casamento. Portanto, que ela o beije uma vez mais, porque ele está tendo que pegar o avião etc. Mas ele voltará, não a deixará mais sozinha, mas agora, de novo, tem que ir, pegar o avião e não sabe quando voltará.
O tema do amante que parte é antigo na poesia das canções. Na Idade Média, o amante partia para a batalha e a princesa ficava na torre do castelo sonhando, esperando. Na bela canção de John Denver o avião substitui o cavalo, a carruagem, o trem e o navio. Modernizou a estória que, milenarmente, é a mesma. Amar. Partir. Voltar. E partir de novo… Como no drama de Romeu e Julieta, muitos se perguntaram: e se eles tivessem se casado? O amor acabaria? Ou: e se ele não tivesse partido?
Há algo corriqueiro e intrigante nesta história: o homem parte, a mulher fica. Era assim na cultura romântica. Era assim na sociedade em que o homem ia à caça e a mulher cuidava da colheita. A mulher sempre estática, passiva. O homem agindo, partindo. O mundo interior versus o mundo exterior. O lar e a batalha. A casa e o mundo dos negócios. Papéis diferentes para a fêmea e o macho. Aliás, a famosa história de Ulisses e Penélope retrata a espera, a viagem e o retorno do herói.
Os tempos mudaram. Mudaram?
As mulheres são executivas, andam com pastas e projetos. Também pegam o avião e deixam seus amados e amantes. E as letras ficaram mais ríspidas, brutais, realistas. Já nos anos 1960, Bob Dylan compôs It aint me babe, na qual despachava a mulher dizendo claramente: “Você está procurando alguém que nunca parta! Não sou eu, baby”.
Nosso cancioneiro está cheio de boêmios que partem e voltam. Vinicius de Moraes, que era não só romântico, mas um macho descarado, fez uma peça de teatro na qual a mulher se chamava Cordélia e o poeta era o Peregrino, que vivia solto por aí. A mulher tinha que ficar ali, igual a um cordeiro para ser sacrificada no altar do amor.
Curioso que na canção de John Denver temos só a voz do amante, daquele que parte. O que a mulher pensa, não sabemos. O que pensam as mulheres? Não estou me lembrando de canções e poemas em que a mulher parte e o homem fica esperando. Como seria esse tema nas canções compostas pelas mulheres depois dos anos 60?
O fato é que, metafísica e psicologicamente, o ser humano é descontínuo.
E há a biologia: o espermatozoide é irriquieto, o óvulo é repousante. Um procura, o outro aguarda. Mas também se diz que a fêmea é que escolhe o macho.
Seja como for, há um poema famoso de Claribel Alegria, no qual Penélope, cansada de esperar, diz a Ulisses que é melhor ele não voltar, porque já deu um jeito na vida. Ou seja, Penélope não é mais aquela.