Regiões do cérebro são mais desenvolvidas em quem
mantém contato com um número maior de pessoas.
A evolução do cérebro humano esteve associada às demandas da complexidade do ambiente social.
Provavelmente válida também para os demais primatas, essa ideia tem sido testada em sistemas experimentais. Nesses trabalhos surgiram evidências de que certas regiões do cérebro são mais desenvolvidas em pessoas que mantêm contato com maior número de parentes, amigos e colegas de trabalho.
Não sabemos, entretanto, se existe relação de causa e efeito entre essas variações anatômicas e a capacidade de estabelecer relacionamentos interpessoais. Em outras palavras, não sabemos se a interação com maior número de personagens cria novos neurônios e conexões que hipertrofiam determinadas partes do cérebro ou se indivíduos nos quais essas áreas são naturalmente hipertrofiadas têm mais habilidade para criar laços sociais.
Dois estudos publicados em 2009 demonstraram que estímulos sensoriais e motores provocam alterações na anatomia do cérebro, mesmo na vida adulta. Por exemplo, aprender a usar uma nova ferramenta aumenta a densidade da massa cinzenta em certas regiões cerebrais dos macacos rhesus.
Massa cinzenta é a camada de 2 mm a 6 mm que envolve a parte mais externa dos hemisférios cerebrais, como se fosse uma casca (daí o nome córtex cerebral). Nela estão localizados os corpos dos neurônios (axônios), enquanto seus prolongamentos (dendritos) penetram a substância branca para conectar-se uns aos outros (sinapses).
A integridade dos neurônios do córtex é essencial para a coordenação do pensamento, dos movimentos voluntários, da linguagem, da percepção e do julgamento.
Em Oxford, Jérôme Sallet e Matthew Rushworth realizaram um experimento com macacos rhesus para testar se o agrupamento altera a concentração de neurônios em estruturas ligadas ao controle de características envolvidas na convivência em sociedade.
O experimento foi feito com 23 macacos (14 machos e nove fêmeas) com 4,3 anos de idade, em média, alojados ao acaso em ambientes com dois a sete indivíduos. Apenas um ficou em local separado.
Depois de passar 15 meses em seu grupo, cada animal foi submetido à ressonância magnética para avaliar a configuração anatômica do cérebro e confrontá-la com as características das interações grupais.
Os macacos em ambientes com maior número de indivíduos apresentaram hipertrofia da massa cinzenta em diversas partes do córtex do lobo temporal, que incluíam o sulco temporal superior. Neurônios desse sulco estão envolvidos no reconhecimento de faces, nos movimentos voluntários e na curiosidade pelo objeto da atenção alheia.
É provável que a hipertrofia cinzenta do sulco temporal superior tenha surgido em resposta à necessidade crescente de decodificar expressões, gestos e movimentos à medida que aumentam o número e a complexidade dos contatos.
No ano passado, o grupo de Geraint Rees, da Universidade de Londres, mostrou que a densidade de massa cinzenta presente nesse mesmo sulco, em humanos, é proporcional ao número de participantes inscritos em suas redes no Facebook.
Nos animais alojados em grupos mais numerosos, a ressonância também revelou aumento da massa cinzenta na amígdala, estrutura situada na profundidade do lobo temporal, intimamente ligada às emoções.
Sob o comando da amígdala, decidimos para que indivíduos e eventos dirigir a atenção. Numa festa, é ela que nos orienta para evitarmos pessoas desagradáveis e nos aproximarmos das mais simpáticas.
Nos macacos que pertenciam aos grupos maiores, houve ainda hipertrofia do córtex pré-frontal, área ligada à "teoria da mente", isto é, ao reconhecimento de que outros podem ter intenções e valores diferentes dos nossos. O animal com maior volume de massa cinzenta pré-frontal tende a ser dominante.
Estudo publicado no ano passado revelou que a densidade de massa cinzenta na região pré-frontal humana também está associada à hierarquia social.
Embora modificações na configuração das áreas descritas possam não ser a causa, mas simples consequência da complexidade dos relacionamentos interpessoais, está cada vez mais evidente que o cérebro é uma ferramenta social.