Eu não o conheci . Não tive esse privilégio.
Conheci apenas as suas histórias. E que histórias ele deixou: viajou o mundo
inteiro, conheceu mil lugares, teve mil amigos e muitos amores. Ganhou muito
dinheiro, perdeu quase tudo, mas nunca perdeu a fé e a esperança. Ele era
otimista. Embora já fosse um homem maduro com cicatrizes que a vida deixou
mantinha aquele sorriso ingênuo de criança levada. Ah, isso ele era : ele era
levado.
Foi uma amiga minha que era amiga dele que me
contou. A Patrícia disse que ele era um daqueles sujeitos radicais que adoram
viver intensamente, perigosamente. Ele era dá pá virada. Vivia mesmo na corda
bamba. Não tinha medo de nada.
Que mal há nisso?- ele vivia dizendo. Melhor viver
20 anos a cem, do que cem anos a vinte – era o seu lema.
Se isso é verdade, ele viveu muito! O nome dele era
Marcos. Ele vivia cada dia, cada momento, cada minuto como sua amiga Patrícia,
como se fosse o último: E se a vida acabar amanhã, de repente? - ele repetia
pra quem achava que ele estava arriscando muito.
Arriscado é gastar uma vida fazendo nada e no fim
ver que escolheu o caminho errado. Que historias você pretende contar pros seus
netinhos: as que você leu em livros ou as que você mesmo viveu? Que ondas você
surfou ? Nas do Arpoador, de Saquarema, nas de Nazaré ou apenas nas ondas da
internet?
Decididamente, ele não fazia muitos planos pro
futuro. Não aplicava na poupança, não guardava dinheiro pra velhice, nem sequer
tinha um plano de previdência. Pra quê ?
- E se Deus não tiver reservado um futuro pra mim,
o que eu faço depois, ele se perguntava: choro ?
Quem o via naquela pequena jaula do Globo da Morte,
com um outro amigo também da pá virada, zanzando numa velha Harley- Davidson
125 cc. a 100 por hora, dando piruetas arriscadas dizia: maluco ! Vai morrer !
Que nada. Ele já tinha sido surfista. Quebrou, é
verdade, uns mais de trinta ossos do corpo em acidentes que teve. Na prancha e
na moto.
Foram muitos os acidentes. Mas ele, que não era
baiano, mas tinha santo forte, sobreviveu a todos. Axé !
E então, sorrindo, a cada novo acidente, a cada
nova internação, quando saia do hospital e alguém perguntava: vai parar agora,
não vai ? Chega ! Ele respondia com uma nova pergunta: Como ficou a minha
motocicleta? Vamos consertá-la.
Marcos passou uns vinte anos da sua vida fazendo
aquilo, loucuras no Globo da Morte. Saiu nos jornais, foi matéria da televisão,
deu entrevistas pra imprensa estrangeira. Virou celebridade e ganhou a vida
fazendo o que todos nós temos vontade de fazer, mas nos falta coragem: vivendo
perigosamente, intensamente !
Um dia, convencido pela mulher e pelos amigos de
que aquilo era realmente arriscado demais, parou. Se aposentou.
Que besteira. Viver uma vida tranquila e ociosa pra
quem estava acostumado a viver a mil por hora é perigoso.
Não deu outra. A tranquilidade, ao contrario do que
muitos pensavam, não fez bem a ele. Tranquilidade engorda, entope as artérias e
enche as nossas mentes de ideias equivocadas. Nos deixa acomodados.
O hit da sua vida sempre foi Born to be wild.
Trocar o disco naquela altura talvez não tenha sido uma boa escolha.
Um dia, Marcos acordou meio estranho. Ele que tinha
feito tanta loucura na vida, tinha se se arriscado tanto, que dava aquelas
voltas loucas no Globo da Morte e nunca reclamava de nada, nem de enjoo ou
tontura, que nunca na vida tomara um Engove ou Plasil, acordou reclamando que
tava meio enjoado.
Estranho aquilo ! Foi pegar um copo dágua na
cozinha. Coisa normal, sem risco algum. Vou ali, amor, disse ele pra mulher que
amava tanto e foi sua companheira de toda uma vida, e volto já !
Foram suas últimas palavras.
Passaram-se alguns minutos, não mais que isso. Como
estava demorando um pouco, a mulher gritou do quarto: tá tudo bem amor?
Ele não respondeu. Silêncio.
Por que não respondia ? Estaria bebendo a água ainda?
A mulher insistiu: amor, cadê você?
Tudo havia acabado pra ele. O valente cavaleiro que
rodopiava em sua reluzente Harley- Davidson no Globo da morte tinha finalmente
partido. Estava agora em paz.
Quando a mulher chegou ele estava estendido no chão
da cozinha. Inerte. Bye.
Tinha ido ali falar com Deus e volta um dia desses.
Viver, amigo, é perigoso já dizia Groucho Marx. A
maioria das mortes, dizia ele, acontece quando estamos deitados, fazendo nada
de importante. Ou arriscado.
O q ue a
psicologia e a propaganda levaram décadas pra colocar nas nossas cabeças: faça
um plano de previdência, seja cauteloso, pense no seu futuro, na sua velhice, poupe,
guarde pro amanhã, a pandemia colocou por terra em menos de um ano. E que ano,
não?
Futuro? Será que existe mesmo um futuro ou a vida é
hoje? Por que não viver um dia após o outro intensamente, com um certo cuidado,
é claro, se divertir e aproveitar como se aquele fosse o melhor e talvez o último
de nossas vidas?
E se amanhãeu começar a espirrar e nem
mesmoacordar?
Que Marcos sirva de exemplo pra todos nós. Ele
soube viver. Se arrisque um pouco mais, se aventure. Se jogue no mar, se jogue
na vida. Entre na arena. Arrisque mais ! Sinta o sangue correr mais rápido nas
suas veias, o coração disparar. Sorria, divirta-se, em vez de apenas se
preocupar e lamentar.
Lembre-se sempre de quando você era criança e ria
por qualquer bobagem, se divertia e dava gargalhadas quando tomava sustos em
vez de chorar.
Foi Freud quem disse: os melhores dias de nossas
vidas foram os dias da infância,quando não preocupávamos com nada e ríamos por
qualquer bobagem.
Adrenalina de vez em quando faz bem pra gente. Se jogue de corpo e alma na vida. Ela é curta. E quando menos se espera, tudo acaba
( Pra Márcio, Patrícia e todos os da pá virada que
a gente teve o privilégio de conhecer um dia)