Cercada de mitos, a psicopatia é, no senso comum, geralmente associada àquele indivíduo que, incompreensivelmente (pelos menos para mim), mata por prazer, ou seja, àquele cujo sofrimento alheio lhe dá uma satisfação e uma alegria no mínimo misteriosas. Ao contrário do que se pensa, esta doença do foro mental nem sempre está associada à violência e pode ser tratada. O facto é que, devido ao cada vez maior número de notícias que chegam a nossas casas de indivíduos que, inexplicavelmente, são capazes de autênticos massacres a seres humanos, o termo “psicopata” é cada vez mais usado na sociedade. Um dos mistérios que mais me intriga (e certamente a alguns de vocês) é o que levará um psicopata a cometer actos tão horrendos… O que se passará na mente de um psicopata? Será que um psicopata tem uma mente igual à mente de um indivíduo dito normal? Então e se o cérebro for biologicamente idêntico, seremos nós (indivíduos “normais”) capazes de nos comportarmos como um psicopata? Efectivamente, poucos transtornos a nível mental são tão incompreendidos como a personalidade psicopática.
Hervey M. Cleckley, psiquiatra americano, definiu pela primeira vez a psicopatia como “um conjunto de comportamentos e traços de personalidade específicos”.
Os psicopatas são pessoas (se é que podemos chamar-lhes assim) que, à partida são inofensivas e vistas como indivíduos “normais” por quem os conhecem superficialmente. São pessoas que, à primeira vista, causam boa impressão, revelando-se, no entanto, desonestas e anormalmente egocêntricas. Com uma sensação de omnipotência, os indivíduos com traços psicopáticos consideram que tudo lhes é permitido, agindo somente por benefício próprio sem olhar aos meios para alcançar os seus fins. O psicopata não sente culpa. Apesar de muitas vezes ter a plena consciência da perversidade dos seus crimes ou das suas intenções criminais, um psicopata raramente aprende com os seus erros, não conseguindo refrear os seus impulsos, carecendo por isso de superego.
Com uma auto-estima muito elevada, considera-se um ser superior regido pelas suas próprias regras. Como tal, torna-se incapaz de compreender que haja pessoas com opiniões diferentes das suas, praticando actos criminosos sem sentir qualquer tipo de culpa. Demonstrando uma frieza fora do normal, “o psicopata está livre das alucinações e dos delírios que constituem os sintomas mais espectaculares da esquizofrenia”. “A sua aparente normalidade, a sua ‘máscara de sanidade’, torna-o mais difícil de ser reconhecido e, logicamente, mais perigoso.”
Exprimindo-se com elegância, as suas histórias, apesar de falsas, conseguem cativar e convencer, deixando-o numa boa situação perante as pessoas. Isto porque o discurso de um psicopata é geralmente servido de uma linguagem florida e figurativa, desempenhando esta um papel importante no seu comportamento enganoso e manipulador. Altamente seguro de tudo o que diz, o seu principal objectivo passa a ser manipular e controlar os outros. “Mentir, enganar e manipular são assim talentos naturais de um psicopata.”
“Um dos traços dos psicopatas é adoptarem geralmente comportamentos irresponsáveis sem razão aparente, excepto pelo facto de se divertirem com o sofrimento alheio. Além disso, desculpam-se dos seus descuidos culpando outras pessoas. Nos relacionamentos amorosos são insensíveis e detestam compromisso.”
Para diagnosticar a psicopatia, os especialistas servem-se de um teste desenvolvido pelo psicólogo Robert D. Hare, o PCL-R (Psychopathy checklist-revised). “Este método inclui uma entrevista padronizada com os pacientes e o levantamento do seu histórico pessoal, inclusive dos antecedentes criminais. O PCL-R revela três grandes grupos de características que geralmente aparecem sobrepostas, mas podem ser analisadas separadamente: deficiências de carácter (como sentimento de superioridade e megalomania[1]), ausência de culpa ou empatia e comportamentos impulsivos ou criminosos (incluindo promiscuidade sexual e prática de furtos).”
Estudos garantem que a maioria dos psicopatas é homem, sendo o motivo para este desequilíbrio entre os sexos ainda desconhecido. A frequência na população é aparentemente a mesma, quer no Ocidente quer no Oriente. Um dos mitos associados à psicopatia é o facto de julgarmos que os psicopatas são violentos, quando, apesar de alguns estudos indicarem que, de facto, essas pessoas recorrem à violência física e sexual, outros demonstram que a maioria dos psicopatas não é violenta e que grande parte das pessoas violentas não é psicopata.
Durante a minha pesquisa descobri também a tendência de associarem todos os indivíduos psicopatas ao facto de sofrerem de psicose[2]. “Ao contrário dos casos de pessoas com transtornos psicóticos, em que é frequente a perda de contacto com a realidade, os psicopatas são quase sempre muito racionais. Eles sabem muito bem que as suas acções, imprudentes ou ilegais, são condenáveis pela sociedade, desconsiderando, porém, tal facto com uma indiferença assustadora. Além disso, os psicóticos raramente são psicopatas.”
Ao contrário do que se julga, a psicopatia tem cura: hoje em dia é sabido que a maioria dos psicopatas são recuperáveis podendo vir a ser bons cidadãos da sociedade. Embora os psicopatas raramente se sintam motivados para procurar tratamento, uma pesquisa feita pela psicóloga Jennifer Skeem sugere que essas pessoas podem usar a psicoterapia como tratamento. “Mesmo que seja muito difícil mudar comportamentos psicopatas, a terapia pode ajudar a pessoa a respeitar regras sociais e prevenir actos criminosos.”
“A característica do psicopata é não demonstrar remorso algum, nem vergonha, quando elabora uma situação que ao resto dos mortais causaria espanto. Quando é demonstrado o seu embuste, não se embaraça; simplesmente muda a sua história ou distorce os fatos para que se encaixem de novo.”
“O ser humano está cada vez mais isolado, mais sozinho, apesar de poder se comunicar quase instantaneamente com qualquer parte do mundo. Caso aprenda a viver sem necessitar dos outros, aprenderá a não se preocupar com os outros, um traço básico na personalidade psicopática.”
FONTES:
[1] Megalomania é um transtorno psicológico em que o doente tem ilusões de grandeza, poder e superioridade. Também se caracteriza pela obsessão em realizar feitos e actos grandiosos.
[2] Psicose é um termo psiquiátrico genérico que se refere a um estado mental no qual existe uma "perda de contacto com a realidade". Ao experienciar um episódio psicótico, um indivíduo pode ter alucinações ou delírios, assim como mudanças de personalidade e pensamento desorganizado.