Domingo,
num café de família, verifiquei, aliás, que as passeatas da semana
passada não eram mais (se é que foram no começo) a manifestação
de uma geração ou de uma classe social (e ainda menos de um
partido).
Todos
parecem cansados de uma cantilena ufanista que quase nos adormeceu: o
discurso do Brasil que dá certo, que cresce (?), que está no
caminho, que resistiu à crise enquanto os outros se deram pior, que
acabou com a miséria (?) etc.
Levantando
a cabeça atordoada pela propaganda, a gente pergunta: isso aqui é
mesmo tudo o que conseguimos ser, como sociedade?
As
manifestações da semana são frutos de um descontentamento bem
justamente brasileiro. Ao mesmo tempo, elas pertencem a uma voz
popular que se expressa, mundo afora, há tempo --e não só desde
Seattle, em 1999.
Paradoxalmente,
foi assistindo ao filme de Linklater que me pareceu entender por que
somos (e não estamos) insatisfeitos com as sociedades nas quais
vivemos.
Linklater
filmou uma trilogia: no primeiro filme, "Antes do Amanhecer"
(1995), Jesse e Céline descem do trem onde se encontraram para
passear por Viena, até eles terem que voltar, no dia seguinte, cada
um para seu lugar. No segundo, "Antes do Pôr do Sol"
(2004), Jesse está promovendo, em Paris, o livro que ele escreveu
sobre seu encontro em Viena com Céline; Céline vai ao lançamento,
e eles se reencontram.
Em
"Antes da Meia-Noite", agora em cartaz, Jesse e Céline se
juntaram no fim do filme anterior, tiveram duas filhas e estão de
férias na Grécia: o charme das conversas passadas se transformou
num pesadelo, em que uma oposição estéril, abstrata e inexplicável
parece ser o destino a longo prazo de qualquer conversa de casal.
Ou
seja, o amor é o encanto de um encontro, um sonho: quando ele se
realiza como convivência, ele pode durar, mas será facilmente
cômico e sempre insuficiente.
Ora,
essa verdade do amor talvez valha para qualquer projeto de
convivência social. A sociedade que nos parece certa, que desejamos,
existe na mágica do encontro e do sonho (o momento da manifestação,
da militância). Como acontece com o amor, a realização dessa
sociedade é sempre insatisfatória --claro, às vezes ela é um
pesadelo absoluto e totalitário, outras vezes ela é parecida com
aqueles casamentos que continuam porque ninguém acredita que a coisa
possa melhorar e porque ninguém está a fim de ficar sozinho.
Ao
longo de alguns séculos, o indivíduo se tornou para nós mais
importante do que a comunidade. Esse período teve seu ápice no
começo da modernidade. Paradoxalmente, logo quando o indivíduo
passou a encabeçar nossos valores, a gente começou a idealizar o
amor romântico como doação perfeita de cada um ao outro.
Da
mesma forma, quando começamos a inventar as regras e as formas de
uma sociedade de indivíduos separados e autônomos, logo naquele
momento começamos a sonhar com o abraço de comunidades unidas e
fraternas.
Ou
seja, quanto mais prezamos o indivíduo, tanto mais sonhamos com o
amor e o ideal comunitário.
Esse
paradoxo nos define. Estamos em conflito permanente entre nossa
aspiração individual e nossos sonhos amoroso e comunitário. Em
matéria de amor, a consequência parece chata (nunca dá certo).
Mas em
matéria de sociedade, sorte nossa: de vez em quando, podemos nos
acomodar, mas nunca somos satisfeitos com a sociedade que conseguimos
construir.
Melhor
assim.