CONEXÃO PERDIDA - Martha Medeiros
DENTRO DE UM ABRAÇO - Martha Medeiros
UM POUCO DE SILÊNCIO - Lya Luft
PERDOANDO DEUS - Clarice Lispector
O PERFUME DO RIO - Heloisa Seixas
QUEM NAMORA AGRADA A DEUS - Arthur da Távola
Namorados que se prezam têm a sua música. E não temem se derreter quando ela toca. Ou, se o namoro acabou, nunca mais dela se esquecem.
O AMOR, UM ANSEIO - Martha Medeiros
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A VIDA COMO ELA PODE SER - Cláudia Penteado
aqui se é feliz,
UM ESTRANHO AMPARO - Francisco Daudt
“Por que se recai tanto no vício sadomasoquista, mesmo tentando combatê-lo?”
FD: Por
duas razões: a autobahn e o amparo. Me explico: há caminhos neuronais tão bem
trilhados em nosso cérebro, você está usando um deles agora enquanto lê, que se
parecem uma rodovia alemã perfeita, uma autobahn.
O comportamento vicioso é um
deles. Alguns têm décadas de treino; quando o “carro” do vício dá a partida,
ele flui rápido e sem obstáculos pela autobahn afora, mesmo que te leve para um
lugar amargo e triste, cheio de rancor e desejo de vingança, pleno de ressaca
moral. O destino é lamentável, mas a autobahn está lá, pronta para ser
percorrida.
No caso do vício
sadomasoquista, a coisa é pior, porque ele pode ser o único meio de se obter
algum amparo na vida. Sua história afetiva foi construída assim desde cedo, o
clima era de maltrato e humilhação, mas você não tinha alternativa, como apenas
a criança frágil que foi. Era jogar ou morrer.
Isso foi se repetindo em
outros relacionamentos, você encontrou parceiros de maltratos, nunca aprendeu
um amor que não fosse assim. Olha aí a soma dos fatores: autobahn e amparo.
Quando se deu conta disso,
quis sair. Procurou ajuda, e o analista subiu com você numa árvore alta para
procurar o destino alternativo do amor e do afeto. Você estranhou: “Ah, mas o
caminho para lá é uma floresta densa, vai dar um trabalho enorme abrir uma
picada”. É mesmo. E ainda por cima, tem sempre a autobahn te tentando, logo ali
ao lado…
Entendeu porque é fácil ter
uma recaída? É um problema de competição e de construção: você está abrindo uma
picada, tentando construir duas coisas ao mesmo tempo, um novo caminho e um
novo jeito de se relacionar. A picada compete com a autobahn; o relacionamento
amoroso compete com o sadomasoquismo, que foi a única fonte de amparo que você
conheceu. Você teme a novidade, quase sente síndrome de abstinência do
sofrimento…
Mas com o tempo e o uso, a
picada vai se tornando mais e mais transitável. A alegria de chegar a um
destino belo vai se tornando mais e mais atraente. De modo que, quando acontece
a recaída, a pedra do Sísifo não rola até ao pé da montanha, você não volta à
estaca zero; é muito mais fácil retomar o novo caminho, agora já pavimentado.
E a autobahn, abandonada, vai criando capim nas rachaduras…
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A TERNURA - Rubem Alves
“Pureza de coração é desejar uma só coisa.” Foi assim que Kierkegaard definiu, a pureza. Puro é aquilo em que não há misturas; é uma coisa só.
A paixão é pura porque vive de uma coisa só: a imagem da pessoa amada. Não se trata de uma imagem mais bonita que as outras. É uma única imagem que apaga todas as outras. O apaixonado só pensa na pessoa amada. Sempre. Os assuntos que fazem as conversas do cotidiano não lhe interessam. Bem que ele gostaria de falar sobre o seu amor, mas se cala sabendo que ririam dele. Camões, no episódio de Inês de Castro, escreveu que ela caminhava
Aos montes ensinando e às
ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas.
Se não havia ouvidos humanos a quem pudesse dizer o nome que tinha gravado no peito, que as árvores, a relva e as pedras fossem depositárias do seu segredo – um único nome.
A raposa pediu que o Pequeno Príncipe a cativasse.
– Que quer dizer “cativar”?
— ele perguntou.
A raposa explicou:
– Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, a cada dia, te sentarás mais perto… Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade!
Aconteceu então que o Pequeno Príncipe cativou a raposa. O tempo passou e chegou o dia em que ele precisou partir. A raposa disse:
– Ah! Eu vou chorar.
– A culpa é tua; eu não te
queria fazer mal, mas tu quiseste que eu te cativasse…
– Quis — disse a raposa.
– Mas tu vais chorar!
– Vou — ela respondeu.
– Então, não sais lucrando
nada!
– Eu lucro — disse ela — por causa da cor do trigo. — E acrescentou: – Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos cor de ouro. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo…
O amor começa quando colocamos uma metáfora poética no rosto da pessoa amada. A paixão é uma experiência estética. Está ligada à contemplação da beleza. A pessoa pela qual se está apaixonado é bela. Não é que ela seja bela – é o olhar apaixonado que a torna assim. Porque não vemos o que vemos, vemos o que somos. Uma mulher é bela quando nos vemos belos ao seu olhar. Quem, ao olhar para uma mulher, pensa em sexo não é um apaixonado.
O apaixonado sorri ao contemplar a amada dormindo, sem tocá-la. O corpo de lado, o rosto sobre o travesseiro, os olhos fechados, o suave ressonar, a camisola suspensa deixando ver a calcinha – é uma imagem de paz, de tranquilidade. E um momento de ternura. Há um desejo de acariciá-la, mas a mão se contém; nenhum movimento dele deverá interromper a beleza da cena. Nela, os impulsos sexuais estão proibidos.
O sexo dos adolescentes e dos jovens se parece com um furúnculo inchado – túrgido, vermelho, dolorido, que busca se livrar do incômodo. O que se busca não é a experiência amorosa, é rasgar o furúnculo para que o pus saia, trazendo alívio. E o esperma não se parece com pus? Quando o orgasmo acontece, numa mistura de dor e prazer, o furúnculo se esvazia e o corpo fica em paz. Pode até ser que nesse momento o parceiro se esqueça da mulher ao seu lado, vire as costas para ela e durma.
Foi sobre esse sexo que Freud escreveu. Era o único que ele conhecia. Era o sexo que Tomas, personagem de A insustentável leveza do ser, fazia com suas namoradas. Mas uma delas protestava: “não procuro o prazer, procuro a alegria…”.
O sexo-furúnculo prescinde
da ternura. Tomas não sentia ternura por suas amantes. Elas eram objetos para
seu alívio. Ele as usava. Não as amava. O amor mora no olhar terno que sorri ao
contemplar o rosto da pessoa amada.
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