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O QUE É O OBJETIVISMO? - Craig Biddle

 
Editor-presidente do The Objective Standard. Escreveu diversos livros e artigos sobre temas como Objetivismo, filosofia, ética e política Confira todos os artigos do autor no site do The Objective Standard.

Nos dias atuais, é muito disseminada a crença de que nossas alternativas morais, culturais e políticas estão limitadas ou:

  •  i) às ideias da esquerda secular e relativista ou 
  • ii) às ideias da direita religiosa e absolutista ou 
  • iii) a uma mistura condescendente das duas. A filosofia de Ayn Rand, o Objetivismo, rejeita essa falsa alternativa e oferece uma visão inteiramente diferente do mundo.

O Objetivismo é totalmente secular e absolutista; ele não é de esquerda, não é conservador e tampouco uma mescla dos dois. Ele reconhece e ressalta a origem e a natureza secular dos princípios e fundamentos morais de uma sociedade livre e plenamente civilizada. 

Do ponto de vista moral, o Objetivismo defende as virtudes do autointeresse racional – tais como o pensamento independente, a produtividade, a justiça, a honestidade e a autorresponsabilidade

Do ponto de vista cultural, o Objetivismo defende o avanço científico, o progresso industrial, a educação objetiva (oposto à “progressista” ou à baseada na fé), a arte romântica – e, acima de tudo, a reverência pela faculdade que torna todos esses valores possíveis: a razão

Do ponto de vista político, o Objetivismo defende o puro capitalismo laissez-faire – o sistema social dos direitos individuais e do governo estritamente limitado – junto com toda a estrutura moral e filosófica da qual ele depende.

Rand descreveu o Objetivismo como “uma filosofia para viver na Terra.” A razão pela qual ela é uma filosofia para viver na Terra é porque o seu princípio-base é derivado dos fatos observáveis da realidade e dos requerimentos demonstráveis da vida e da felicidade humanas.

Enquanto sistema filosófico, o Objetivismo inclui uma visão da natureza da realidade, do meio de conhecimento do homem, do meio de sobrevivência do homem, de uma moralidade adequada, de um sistema social adequado e da natureza e valor da arte. Rand apresentou sua filosofia em suas muitas obras de ficção e não ficção, tais como A Nascente, A Revolta de Atlas, Philosophy: Who Needs It, A Virtude do Egoísmo, Capitalism: The Unknown Ideal e The Romantic Manifesto.

Há um amplo leque de assuntos tratados no Objetivismo, muito mais do que poderia ser abordado em um único livro, que dizer em um único ensaio. Além disso, nem eu nem ninguém – a não ser Rand – poderia falar pelo Objetivismo – cuja filosofia é precisamente o corpo de princípios filosóficos estabelecido nas obras dela. O que se segue, portanto, é uma condensação dos pontos essenciais do Objetivismo tal como eu o entendo. Qualquer erro nesta apresentação é de inteira responsabilidade minha.

A natureza da realidade

O Objetivismo defende que a realidade é um dado absoluto – que fatos são fatos, independentemente das esperanças, medos ou desejos de alguém. Existe um mundo independente de nossas mentes para o qual nosso pensamento deve corresponder se nossas ideias devem ser verdadeiras e, portanto, de uso prático para o indivíduo no viver, no perseguir valores e no proteger direitos.

Assim, o Objetivismo rejeita a ideia de que a realidade é, em última análise, determinada pela opinião pessoal, convenção social ou “decreto divino”. As ideias ou crenças de um indivíduo não fazem da realidade aquilo que ela é, nem podem alterar diretamente qualquer coisa a respeito dela: ou correspondem aos fatos da realidade, ou não. Uma pessoa pode pensar que o Sol gira ao redor da Terra (como algumas pessoas, de fato, pensam); mas isso não faz com que seja assim.

Da mesma forma, ideias ou normas aceitas por uma sociedade ou cultura não têm efeito sobre a natureza da realidade; ou elas são compatíveis com os fatos da realidade, ou não são. Algumas culturas defendem que a Terra é plana, que a escravidão é boa e que as mulheres são mentalmente inferiores aos homens. Tais crenças não alteram a natureza como ela é; elas a contradizem; são falsas.

Quanto à alegada existência de um ser “sobrenatural” que cria e controla a realidade, não há evidência ou argumento racional em apoio a tal alegação. As coisas na natureza podem ser evidência apenas da existência de coisas na natureza (como, por exemplo, o registro fóssil é evidência para a evolução); elas não podem ser evidência da existência de coisas “fora da natureza” ou “acima da natureza” ou “além da natureza”. A natureza é tudo o que há; é a soma daquilo que existe; qualquer coisa “fora da natureza” seria alguma coisa “fora da existência” – isto é: não existente. A natureza não é evidência da existência de uma “sobrenatureza”. Não há evidência para a existência de um ser “sobrenatural”; existem apenas livros, tradições e pessoas que dizem que ele existe. Afirmações livres de evidência, apelos à tradição e à autoridade não são argumentos racionais; são falácias nos livros-texto de lógica.

Nem crenças individuais, nem consenso generalizado, nem a vontade de um ser “sobrenatural” têm qualquer efeito sobre a natureza real do mundo. A realidade não é criada ou controlada por consciências. A realidade simplesmente é. A existência simplesmente existe – e tudo nela é algo específico; tudo é aquilo que se é e pode agir apenas de acordo com a sua identidade. Uma rosa é uma rosa; ela pode florescer; ela não pode falar. Uma ditadura é uma ditadura; ela destrói a vida; ela não pode promover a vida. Fé é fé (i.e., a aceitação de ideias na ausência de evidências) levam a crenças sem fundamento e não podem fornecer conhecimento.

O significado prático desse ponto é que se as pessoas querem atingir seus objetivos – tais como obter conhecimento, acumular riqueza, alcançar felicidade, estabelecer e manter a liberdade – elas devem reconhecer e abraçar a natureza da realidade. A realidade não se curva aos nossos desejos; nós devemos nos conformar às suas leis. Se quisermos conhecimento, devemos observar a realidade e pensar; se quisermos riqueza, devemos produzi-la; se quisermos aproveitar a vida, devemos pensar, planejar e agir de forma apropriada; se quisermos liberdade, devemos identificar e lutar por ela. Não podemos atingir tais objetivos desejando, votando ou rezando.

O meio de conhecimento do homem

O Objetivismo sustenta que a razão – a faculdade que opera através da observação e da lógica – é o meio de conhecimento do homem. O homem obtém conhecimento pela percepção da realidade através dos seus cinco sentidos, formando conceitos e princípios com base no que ele percebe, verificando em suas ideias a consistência com a realidade, e corrigindo quaisquer contradições que descubra em seu pensamento. Essa é a forma como cientistas descobrem fatos em vários campos de estudo, desde os princípios da agricultura e a existência dos átomos, à estrutura do DNA; é como inventores e engenheiros projetam máquinas e dispositivos que facilitam a vida, de automóveis e dispositivos cardíacos a tocadores de mp3; é como empresários estabelecem formas de produzir e entregar produtos e serviços, de refrigeradores e filmes à Internet sem fio; é como médicos diagnosticam e curam (ou tratam) doenças, desde a pólio e a anemia falciforme ao câncer de mama; é como crianças aprendem a linguagem, a matemática e boas maneiras; é como filósofos descobrem a natureza do universo, a natureza do homem e os princípios corretos da moralidade, da política e da estética. A razão é o meio pelo qual todos os seres humanos aprendem sobre o mundo, sobre si mesmos e suas necessidades. O conhecimento humano – todo conhecimento humano – é um produto da observação perceptual e da inferência lógica a partir dela.

Assim, o Objetivismo rejeita todas as formas de misticismo – a ideia de que o conhecimento pode ser adquirido por meios não sensoriais, meios não racionais (tais como fé, intuição, experiência extrassensorial ou qualquer outra forma de “apenas saber”). 

O Objetivismo igualmente rejeita o ceticismo – a ideia de que o conhecimento é impossível, que ele não pode ser adquirido por meio algum. O homem claramente pode adquirir conhecimento, ele já o adquiriu e continuará a adquiri-lo; isso é evidente pelo fato de tudo o que o homem já realizou até aqui.

Em resumo, o homem tem um meio de conhecimento; é a razão – e apenas a razão. Se as pessoas querem saber o que é verdadeiro ou bom ou correto, elas devem observar a realidade e usar a lógica.

A natureza e o meio de sobrevivência do homem

O Objetivismo defende que o homem tem livre-arbítrio – a capacidade de pensar ou não pensar, de usar a razão ou não usá-la, de seguir os fatos ou seguir os sentimentos. Uma pessoa não tem que usar a razão; essa escolha cabe a ela fazer. Seja qual for a escolha de um indivíduo, entretanto, permanece o fato de que o homem é o animal racional; que a razão é o seu único meio de conhecimento e, portanto, seu meio básico de sobrevivência. Uma pessoa que se recusa a usar a razão não pode viver e progredir.

O homem sobrevive pela observação da realidade, identificando a natureza das coisas, descobrindo relações causais e fazendo as conexões lógicas necessárias para produzir as coisas das quais ele necessita para viver. À medida que uma pessoa escolhe usar a razão, ela é capaz de identificar e perseguir aquilo de que precisa para a sua sobrevivência e a sua felicidade – coisas tais como conhecimento, alimento, abrigo, cuidados médicos, arte, recreação, romance e liberdade. À medida que uma pessoa opta por não usar a razão, ela é incapaz de identificar ou perseguir esses requisitos; ou ela morrerá ou sobreviverá parasitariamente das mentes daqueles que optaram usar a razão. Em qualquer caso, a razão é o meio básico de sobrevivência do homem e o livre arbítrio – a escolha de usar a razão ou não – é a essência da sua natureza.

Assim, o Objetivismo rejeita a noção de que a natureza do homem é inerentemente corrupta (i.e., a ideia do “pecado original” ou a visão hobbesiana do homem como um ser bruto), tornando seu caráter necessariamente depravado ou bárbaro. O Objetivismo também rejeita a ideia de que o homem não tem qualquer natureza (i.e., a interpretação distorcida, moderna, do homem como uma “folha em branco”), fazendo do seu caráter a consequência de forças sociais, tais como a criação familiar ou as condições econômicas. O caráter de uma pessoa não é inerentemente ruim, nem o produto de forças sociais; pelo contrário, é uma conseqüência de suas escolhas. Se um indivíduo escolhe encarar os fatos, pensar racionalmente, ser produtivo, assim por diante – e dessa forma desenvolver um bom caráter – isso será sua realização. Se um indivíduo escolhe não encarar os fatos, não pensar, não produzir e assim por diante – e assim desenvolver um mau caráter – isso será sua culpa.

O homem tem livre-arbítrio, e esse fato é o que dá origem à sua necessidade da moralidade: um código de valores para guiar suas escolhas e ações.

A moralidade adequada

O Objetivismo defende que o propósito da moralidade é fornecer às pessoas orientação, através de princípios, para a vida e a realização da felicidade na Terra. O padrão de valor moral adequado é a vida do homem – significando: os requerimentos factuais de sua vida estabelecidos pela sua natureza. Como seres humanos são indivíduos, cada um com seu próprio corpo, sua própria mente e sua própria vida, esse padrão diz respeito a todos os seres humanos enquanto indivíduos (e não como engrenagens num aparelho coletivo). De acordo com esse princípio, o bem é aquilo que sustenta ou promove a vida de um indivíduo; o mal é aquilo que a retarda ou destrói. Ser moral consiste em tomar as ações necessárias para sustentar e promover a própria vida – ações tais como pensar racionalmente e planejar o futuro, ser honesto e ter integridade, produzir bens ou serviços e comercializá-los com os outros, julgar as pessoas racionalmente (de acordo com os fatos relevantes) e tratá-las de acordo, assim por diante. Em resumo, o Objetivismo defende que ser moral consiste em ser racionalmente egoísta.

O egoísmo racional, a peça central do Objetivismo, defende que cada indivíduo deve agir em seu próprio interesse, sendo o devido beneficiário de sua própria ação moral. Esse princípio é o reconhecimento do fato de que, a fim de viver, as pessoas devem desempenhar ações autointeressadas e colher os benefícios disso. A vida humana requer egoísmo. (Eu uso “egoísmo racional” e “egoísmo” mutuamente por razões que se tornarão claras).

Assim, o Objetivismo rejeita a moralidade do altruísmo – a ideia de que ser moral consiste em se autossacrificar servindo aos outros (sejam os pobres, o “bem comum”, a “mãe natureza”, ou “Deus”). Nós também rejeitamos a ideia de que a predação – o sacrifício dos outros para o suposto benefício particular – pode promover a própria vida e felicidade. E o Objetivismo rejeita o hedonismo – a ideia de que ser moral consiste em agir de qualquer forma que lhe dê prazer (ou o que quer que lhe dê vontade de fazer).

Considere primeiro o altruísmo.

O altruísmo, ao contrário da concepção errônea amplamente difundida, não é a moralidade de “ser agradável às pessoas” ou “fazer alguma coisa pelos outros”; na verdade, é a moralidade do autossacrifício – isto é, de servir aos outros à custa dos valores que servem à sua própria vida. O princípio básico do altruísmo é que, para ser moral, uma ação deve ser abnegada: na medida em que uma pessoa age abnegadamente, ela é moral; na medida em que não age, ela não é. Se ela abre mão de um valor em troca de nenhum ganho, ela está sendo moral; se ela ganha algo com a ação, ela não está sendo moral. Por exemplo, se um trabalhador voluntário abre mão do seu tempo e esforço em troca de absolutamente nada, ele está sendo moral. Se um desenvolvedor de software cria um produto que as pessoas amam, comercializando-o com elas com vistas ao lucro, ele não está sendo moral. Assim diz o altruísmo. Mas não é o que diz o egoísmo.

O egoísmo, que também é amplamente mal interpretado, não é a moralidade de “apunhalar as pessoas pelas costas para conseguir o que se quer” ou “agir de acordo com desejos incontrolados”. Essas são caricaturas do egoísmo perpetradas pelos defensores do altruísmo que querem que as pessoas acreditem que as únicas alternativas são: sacrificar a si mesmo ou sacrificar os outros. Essas, de acordo com o Objetivismo, não são as únicas alternativas.

O egoísmo é a moralidade da negação do sacrifício; ele rejeita todas as formas de sacrifício humano – tanto o autossacrifício quanto o sacrifício dos outros – como uma questão de princípio. Ele defende que ser moral consiste em perseguir racionalmente os valores que promovem nossa vida, não sacrificando a si ou os outros no processo.

O egoísmo defende o princípio da negação do sacrifício – a ideia de que nunca se deve abrir mão de um valor maior em prol de um valor menor. Esse princípio é o reconhecimento do fato de que desistir dos requerimentos da própria vida e felicidade é se opor à própria vida e felicidade. É claro, a vida requer que as pessoas regularmente abram mão de valores menores em prol de maiores; entretanto, esses são ganhos, não sacrifícios. Um sacrifício é desistir de algo que é mais importante para a própria vida e felicidade em prol de algo que é menos importante para a própria vida e felicidade; assim, um sacrifício resulta em uma perda líquida.

A fim de viver, as pessoas devem perseguir valores, e não abrir mão deles. Portanto, de acordo com o egoísmo, à medida que uma pessoa persegue os valores que promovem sua vida e se recusa a sacrificá-los, ela está agindo moralmente; à medida que não, ela não está agindo moralmente. Se ela produz valores e os permuta com os outros por um ganho (seja material ou espiritual), então ela está sendo moral; ela está obtendo os valores dos quais a sua vida e a sua felicidade dependem. Se ela abre mão dos seus valores em troca de ganho nenhum (nem material, nem espiritual), então ela está sendo imoral; ela está renunciando aos valores dos quais a sua vida e a sua felicidade dependem.

Sob esse ponto de vista, um desenvolvedor de software que comercializa seu produto com os outros em busca de lucro está sendo moral. Um trabalhador social voluntário que abre mão de seu tempo e esforço em troca de nada está sendo imoral com isso. Da mesma maneira, um pai que valoriza a educação de seu filho mais do que valoriza um carro novo esportivo, e que desiste do carro em troca de pagar pela educação, está sendo moral; um pai que valoriza a educação mais do que o carro, mas que abre mão da educação para poder comprar o carro, está sendo imoral. Similarmente, um soldado que luta pela liberdade sob a premissa de que uma vida sem liberdade não vale a pena ser vivida (“Dê-me liberdade, ou dê-me a morte!”) está sendo moral; aquele que luta em obediência aos mandamentos de um alegado ser “sobrenatural” não está. E assim por diante.

Existe uma diferença radical entre permutar valores por ganhos e abrir mão de valores por nada. O egoísmo defende o primeiro; o altruísmo defende o segundo.

O egoísmo é baseado em e derivado dos requerimentos da vida humana na Terra; assim, as pessoas podem praticá-lo consistentemente e devem fazer isso – se elas quiserem viver e fazer o máximo das suas vidas. O altruísmo não pode ser praticado consistentemente. Uma pessoa que aceita a moralidade do altruísmo deve burlá-la simplesmente para permanecer viva; por exemplo, ela deve egoisticamente ganhar um salário para que possa comprar comida.

Dado os diversos valores dos quais a vida e a felicidade humana dependem – de valores materiais, tais como comida, abrigo, roupas, assistência médica, automóveis e computadores – a valores espirituais, tais como conhecimento, autoestima, arte, amizade, amor romântico e liberdade – as pessoas precisam de uma grande medida de orientação ao fazer escolhas e desempenhar ações. Elas precisam de princípios morais condutivos ao objetivo de viver de forma plena e feliz. Em resposta a essa necessidade, o egoísmo fornece todo um sistema de princípios integrados e não contraditórios, cujo único propósito é ensinar o homem a viver e apreciar a si mesmo. Em resposta a essa mesma necessidade, o altruísmo diz: Não seja egoísta; sacrifique seus valores; abra mão de suas necessidades. Se as pessoas quiserem viver e ser felizes, apenas uma dessas moralidades lhe servirá.

O altruísmo não é bom para as nossas vidas. Se aceito e praticado consistentemente, ele leva à morte. Isso foi o que Jesus fez. Se aceito e praticado inconsistentemente, ele retarda a nossa vida e leva ao sentimento de culpa. Isso é o que faz a maioria dos altruístas. Um altruísta pode não morrer por causa de sua moralidade – contanto que ele seja infiel a ela – mas também não viverá plenamente. Na medida em que uma pessoa age contra os requerimentos da vida e felicidade ela não viverá ao máximo; ela não atingirá o tipo de felicidade possível ao homem.

O egoísmo é bom para a vida das pessoas. Se aceito e praticado consistentemente, ele leva a uma vida de felicidade. Se aceito e praticado inconsistentemente – bem, não há razão para ser inconsistente aqui. Por que não viver uma vida de felicidade? Por que se sacrificar em primeiro lugar? Qual é a razão para fazer isso? Em toda a história da filosofia, o número de respostas racionais para essa pergunta é exatamente zero.

Não existe razão para agir de maneira autossacrificial, por isso ninguém jamais conseguiu apresentar uma razão para tal. Nem há qualquer justificativa racional para sacrificar os outros, por isso ninguém jamais apresentou uma razão para isso também.

A predação (o sacrifício dos outros em prol do alegado próprio benefício) não é de interesse maior para nós que o altruísmo. A felicidade, assim como tudo no mundo, é algo específico; tem uma natureza.  A felicidade é o estado mental que se segue da busca bem-sucedida por valores racionais promotores da vida. A felicidade genuína advém da realização de valores, não do roubo; de pensar racionalmente e ser produtivo, não da renúncia da própria mente e de transformação subsequente em um parasita do pensamento e do esforço dos outros; da conquista romântica e de fazer amor apaixonadamente, não do estupro de pessoas. Transformar-se intencionalmente em um parasita das mentes, dos esforços e dos corpos de outras pessoas – reduzir-se deliberadamente ao estado de uma criatura sub-humana – é a coisa mais abnegada que uma pessoa pode fazer. Tais predadores escolheram ignorar ou negar esse fato, mas isso não os liberta dele. Assim como o Sol não gira ao redor da Terra (independente daquilo em que se acredita), igualmente, uma pessoa não pode realizar a felicidade sacrificando outras pessoas (independente daquilo que ela afirma).

As alegações dos predadores ao efeito de que eles conseguem realizar a felicidade sacrificando outras pessoas são apenas isso: alegações. Elas não são baseadas em evidências (o sorriso temporário e o dinheiro roubado de um criminoso não são evidências da sua felicidade). Elas não provam nada (prova é uma inferência lógica com base em evidências). Além do mais, tais alegações contradizem flagrantemente o fato demonstrável de que o pensamento racional, a realização produtiva, a autoestima genuína (merecida) e a certeza do próprio valor moral são requerimentos para a felicidade.

Entretanto, em última análise, numa sociedade racional, as evasões e as alegações dos predadores são de pouca preocupação às pessoas boas. Como indicarei na seção sobre política, uma sociedade racional tem meios eficientes para lidar com tais criaturas de forma adequada.

Por fim, quanto à moralidade do hedonismo, só por que alguém obtém prazer fazendo alguma coisa ou sente vontade de fazê-la não significa que isso seja do seu maior interesse. É por esse motivo que pais racionais encorajam seus filhos a pensar antes de agir, a reconhecer que escolhas têm consequências além do momento imediato, a aprender e a abraçar os requerimentos verdadeiros e de longo prazo da vida e da felicidade humanas. É também por esse motivo que adultos racionais não agem de acordo com qualquer impulso ou desejo, e por que vagabundos e viciados em drogas não são pessoas felizes.

A felicidade genuína vem da identificação e da busca dos requerimentos materiais e espirituais abrangentes da nossa vida, definidos pela nossa natureza. Para a orientação no entendimento e para a realização dessas necessidades altamente complexas, enquanto o egoísmo fornece um sistema inteiro de explicações e princípios racionais, o hedonismo diz: não preste atenção na sua natureza ou necessidades; faça aquilo que lhe der prazer; faça qualquer coisa que você sentir vontade de fazer. O hedonismo, em outras palavras, sob o disfarce do autointeresse, aconselha a autodestruição.

Tudo se resume aos padrões. O padrão de valor de acordo com o altruísmo é o autossacrifício. O padrão de valor de acordo com o predador é o seu capricho. O padrão de valor de acordo com o hedonista é o prazer ou os sentimentos. O padrão de valor de acordo com o Objetivismo e o egoísmo racional são os requerimentos da vida humana.

Pelo padrão da vida humana, cada indivíduo deve viver sua própria vida para o seu próprio bem. Ele deve pensar racionalmente e perseguir os objetivos que promovem sua própria vida, tais como uma carreira maravilhosa, um relacionamento romântico apaixonado, atividades recreativas apreciáveis, grandes amizades, uma cultura racional e um sistema social que protege o seu direito de viver dessa maneira.

A vida humana não requer sacrifício humano; as pessoas podem viver sem abrir mão de suas mentes, seus valores, suas vidas; as pessoas podem viver sem assassinar, assaltar ou defraudar umas às outras. O sacrifício humano não pode promover a vida humana ou a felicidade; ele pode levar apenas ao sofrimento e à morte. Se as pessoas querem viver e ser felizes, elas não devem se sacrificar e nem sacrificar os outros; ao invés disso, elas devem perseguir os valores que servem à vida e respeitar o direito dos outros de fazer o mesmo. Esse é o princípio básico do egoísmo racional – e a base moral para um sistema social adequado.

Um sistema social adequado

No campo da política, o Objetivismo reconhece que para desempenhar as ações que promovem a sua vida, uma pessoa deve ser livre para agir assim; ela deve ser livre para agir de acordo com o julgamento de sua mente, o seu método básico de viver. A única coisa que pode impedi-la de agir assim são outras pessoas, e a única maneira pela qual podem impedi-la é por meio da força física. Assim, a fim de viver pacificamente em sociedade – a fim de viver como seres civilizados, não como bárbaros – as pessoas devem se abster de usar força física umas contra as outras. Esse fato dá origem ao princípio dos direitos individuais, que é o princípio do egoísmo aplicado à política.

O princípio dos direitos individuais é o reconhecimento do fato de que cada pessoa é moralmente um fim em si mesmo e não um meio para os fins dos outros; portanto, ela deve moralmente ser deixada livre para agir de acordo com o seu próprio julgamento tendo em vista o seu próprio bem, contanto que ela não viole esse mesmo direito das outras pessoas. Este princípio não é uma questão de opinião pessoal ou convenção social ou “revelação divina”; é uma questão dos requerimentos factuais da vida humana em um contexto social.

Uma sociedade moral – uma sociedade civilizada – é aquela na qual a iniciação de força física contra seres humanos é proibida por lei. E o único sistema social em que tal força é proibida dessa forma – consistentemente e por princípio – é o puro capitalismo laissez-faire.

O capitalismo – que, ao contrário das más informações disseminadas, não é meramente um sistema econômico – é o sistema social dos direitos individuais, incluindo os direitos de propriedade, protegidos por um governo estritamente limitado. Em uma sociedade laissez-faire, se as pessoas quiserem lidar umas com as outras, eles só podem fazer isso em termos voluntários, por concordância não coagida. Se elas quiserem receber bens ou serviços das outras, elas podem oferecer valor em troca de valor para benefício mútuo; entretanto, elas não podem buscar obter qualquer valor das outras por meio de força física. As pessoas são totalmente livres para agir de acordo com seu próprio julgamento e assim produzir, manter, usar e dispor de sua propriedade da forma que julgarem mais apropriada; a única coisa para a qual elas não são “livres” é a violação dos direitos das outras pessoas. Em uma sociedade capitalista, os direitos individuais não podem ser legalmente violados por quem quer que seja, incluindo o governo.

O único propósito do governo em tal sistema é proteger os direitos individuais dos seus cidadãos por meio da polícia (para lidar com criminosos domésticos), do exército (para lidar com agressores estrangeiros), e dos tribunais de justiça (para julgar desacordos). Enquanto o governo detém um monopólio sobre o uso legal da força, ele é constitucionalmente proibido de usar força iniciatória em qualquer que seja a forma – e constitucionalmente obrigado a usar força retaliatória quando necessário para proteger os direitos dos seus cidadãos.

Por exemplo, o governo é proibido de tomar a propriedade de pessoas inocentes (ex: o domínio eminente), de redistribuir riqueza à força (ex: a política do bem-estar social), de ditar os termos de contratos privados (ex: o salário mínimo e as leis antitrustes), de restringir a liberdade de expressão (ex: a “reforma” do financiamento de campanhas), de obrigar a maternidade (ex: as leis antiaborto), de impedir o avanço científico (ex: as pesquisas com células-tronco embrionárias), de forçar os cidadãos a financiar organizações religiosas (ex: as iniciativas com base na fé) e de impor serviço “comunitário” ou “nacional” (ex: “voluntarismo” obrigatório). Simultaneamente, o governo tem a obrigação de fazer cumprir leis contra o homicídio, o assalto, o estupro, o abuso infantil, a fraude, a extorsão, a violação de direitos autorais, a calúnia e afins. O governo também tem a obrigação de livrar-se sumariamente de agressores estrangeiros que iniciam ou ameaçam iniciar força contra os seus cidadãos ou o interesse desses.

O capitalismo – não o sistema híbrido dos Estados Unidos de hoje, mas o genuíno capitalismo – é o único sistema social que proíbe consistentemente a todos, incluindo o governo, de atacar pessoas ou roubar sua propriedade. É o único sistema que respeita e protege os direitos individuais como uma questão de princípio inquestionável. Em outras palavras, o capitalismo é o único sistema que institucionaliza os requerimentos da vida humana em um contexto social. Nenhum outro sistema social na Terra faz isso. Assim, se a vida do homem é o padrão de valor moral, o capitalismo é o único sistema social moral.

Ao advogar o capitalismo laissez-faire, o Objetivismo se opõe à política do conservadorismo – tal como a noção de que somos “responsáveis pelo nosso irmão” e, portanto, devemos nos sacrificar servindo a estranhos (por exemplo, os programas de bem-estar social do Partido Republicano); a noção de que os empresários de sucesso devem ser controlados (ou seja, coagidos) “pelo menos em alguma medida” para o bem do “pequeno” (como se o assim chamado pequeno não pudesse ter sucesso na vida por seu próprio pensamento racional); a noção de que os alunos de escolas públicas devem ser doutrinados com a teoria do “design inteligente” ou obrigados a rezar; a noção de que os cientistas devem ser proibidos de se dedicar às pesquisas com células-tronco embrionárias, enquanto homens, mulheres e crianças sofrem de doenças agonizantes que de outra forma poderiam ser curadas (“nós não devemos brincar de Deus”) – e aqueles que sofrem dessas doenças devem ser forçados a “viver” quando querem desesperadamente morrer (“nós não devemos brincar de Deus”); a noção de que homossexuais devem ser proibidos de experimentar os prazeres do sexo (“Deus desaprova”); e a noção de que as forças armadas americanas devem se sacrificar para a promoção da “liberdade” (“O presente de Deus para a humanidade”) para não dizer da “democracia” (ou seja, a regra da maioria ilimitada) entre selvagens, ao invés de destruir de forma rápida e egoísta os maiores inimigos dos Estados Unidos (“amai os vossos inimigos”).

O Objetivismo também se opõe à política da esquerda – tal como a noção de que as pessoas têm o “direito” de receber bens ou serviços (o que obviamente exige que alguém seja obrigado a fornecê-los); a noção de que as agências do governo, empresas privadas e escolas devem ser obrigadas a implantar políticas racistas, tais como a “ação afirmativa” e a “formação para a diversidade”; a noção de que os alunos de escolas públicas devem ser doutrinados com o relativismo conhecido como o “multiculturalismo” ou a religião conhecida como “ambientalismo”; a noção de que as pessoas devem ser obrigadas a financiar ideias ou arte das quais desaprovam (por exemplo, via estações de rádio “públicas” ou concessões “públicas”); e a noção de que os Estados Unidos não têm o direito de “interferir com” ou “impor valores Ocidentais” a (muito menos destruir) regimes que são responsáveis pelo massacre de americanos.

Por fim, o Objetivismo se opõe enfaticamente à política do libertarianismo – o movimento anti-intelectual que afirma defender a “liberdade”, enquanto flagrantemente ignora ou nega os fundamentos morais e filosóficos dos quais a liberdade depende. A liberdade não pode sequer ser definida, muito menos defendida, à parte de respostas a perguntas tais como: qual é a natureza da realidade? Qual é o meio de conhecimento do homem? Qual é a natureza do bem? O que são direitos, e de onde eles vêm? Afirmar, como alguns libertários afirmam, que o “princípio da não iniciação de força” é um “axioma” ou que a liberdade pode ser defendida a partir de qualquer base filosófica conhecida – seja cristã, judaica, muçulmana, budista, ateísta, altruísta, egoísta, subjetivista, relativista, pós-moderna – ou a partir de base filosófica nenhuma – é simplesmente absurdo. (Isso não quer dizer que qualquer um que se defina “libertário” é anti-intelectual; em vez disso, é dizer que qualquer tentativa de defender a liberdade com suas bases intelectuais sendo ignoradas ou negadas é anti-intelectual).

Contrariando o conservadorismo, a esquerda e o libertarianismo, a política da liberdade depende da ética do egoísmo – que depende da filosofia da razão – que é fundamentada na natureza básica da realidade: o fato de que as coisas (incluindo seres humanos) são o que elas são e só podem agir (e viver) de acordo com as suas identidades. A política da liberdade é a política do autointeresse; ela não pode ser defendida através da ética do autossacrifício – ou através de uma filosofia da irracionalidade, da irrealidade ou da “sobrenatureza” – ou através de absolutamente nenhuma filosofia.

Os objetivistas não são conservadores; são, como dizia Rand, “radicais pelo capitalismo” (ou seja, defensores da sua raiz ou fundação). Os objetivistas não são de “esquerda”, são absolutistas pela liberdade. Os objetivistas não são libertários, são fundamentalistas pela liberdade. Isso é assim porque os objetivistas são radicais pela razão – a base da qual é a realidade.

Voltarmo-nos agora à arte, a qual, de acordo com o Objetivismo, assim como a ética e a política, fundamenta-se sobre uma base racional, objetiva e serve a um propósito específico na promoção da vida.

A natureza e o valor da arte

O Objetivismo defende que a arte é um requerimento da vida e da felicidade humanas. A arte é uma recriação seletiva da realidade de acordo com as convicções mais fundamentais, mais profundas, de um artista – tal como a sua visão da natureza e do universo, da natureza do homem, do que é cognoscível, do que é mais importante, do que é possível. O propósito da arte é dar forma física a tais abstrações profundas, torná-las concretas e observáveis e, desse modo, fornecer às pessoas uma representação perceptual de uma ideia particular ou visão do mundo. Isso permite que as pessoas examinem a ideia como uma realidade física e assim entendam melhor o que ela significa na prática.  Desse modo, a arte fornece orientação espiritual e combustível para a vida e a realização dos nossos próprios objetivos. Seja uma escultura de uma bailarina representando a habilidade e a graça possível ao ser humano – ou um livro de ficção sobre grandes industriais que exibe a realização produtiva como possível ao ser humano – ou uma paisagem campestre retratando o mundo como aberto à investigação e à apreciação humana – ou uma pintura sinistra de uma sala de bilhar psicodélica retratando o mundo como instável e inóspito ao homem – a arte leva convicções altamente abstratas para o campo perceptual.

Como tudo no mundo, a arte é algo específico; assim, ela é tanto cognoscível como definível. E, como tudo criado pelo homem, é julgada adequadamente como boa ou ruim pelo padrão dos requerimentos da vida humana na Terra.

Assim, o Objetivismo rejeita a ideia de que arte é o que quer que qualquer autoproclamado ou alegadamente “talentoso” artista despeje ou disponha em uma galeria. Nem tinta salpicada aleatoriamente sobre uma lona, nem uma roda de bicicleta “inteligentemente” presa a um banco, nem uma salada de palavras cuidadosamente impressa em uma página são arte. Tais coisas não são arte “ruim”; elas absolutamente não são arte. A arte não é uma regurgitação de impulsos irracionais, mas a recriação seletiva da realidade. Desde que o homem apreende a realidade somente por meio da razão, a criação de arte requer o uso intenso dessa faculdade; requer pensamento, concentração, conexões mentais e a transformação de conceitos e valores altamente abstratos em material da realidade perceptual. Essa não é a província da palhaçada; é a província da genialidade – e deve ser reconhecida e protegida como tal.

O Objetivismo também rejeita a ideia de que, dentro do âmbito daquilo que é arte, não há critérios objetivos para julgar certas obras como melhores que outras. Como todo valor legítimo, uma obra de arte – seja uma pintura, escultura, romance, filme, sinfonia – é um valor precisamente na medida em que serve a algum requerimento da vida de um ser racional. Enquanto há muito espaço para diferentes gostos dentro do âmbito da arte genuína, também existe objetivamente dentro desse âmbito melhores ou piores obras de arte – melhores ou piores pelos padrões da racionalidade e das necessidades espirituais do homem.

Por exemplo, desde que a essência da natureza do homem é de que ele possui livre-arbítrio, a melhor arte – a arte romântica – reflete esse fato; ela retrata o homem como agente de sua própria vida, capaz de remodelar seu mundo de acordo com seus valores, à maneira da alma autocriada que ele realmente é. Como exemplo aqui, isolemos um aspecto particular de uma obra de arte: o tema abordado por ela. Tudo mais sendo igual (estilo, composição, técnica, etc.), uma pintura de uma mulher horrenda gritando de terror no convés de um navio que está afundando diz uma coisa; uma pintura de uma linda mulher manipulando habilmente um barco a vela em um dia de brisa, diz outra. Objetivamente falando, essas duas pinturas não têm valor “igual”; elas não servem “igualmente” ao propósito da arte; e elas não são apreciadas “igualmente” por pessoas racionais. 

A boa arte – como tudo mais de que a vida e a felicidade humanas dependem – é um produto do pensamento racional e do esforço criativo. Essa é mais uma razão para abraçar e defender o capitalismo – e a inteira filosofia da razão na qual ele se baseia. Em uma sociedade racional, capitalista, os artistas são completamente livres para pensar e criar como julgarem melhor; nada se põe no caminho deles; o direito à liberdade de expressão é reconhecido como um absoluto. Desde que o princípio social que orienta tal sociedade é o comércio – e uma vez que não há financiamento “público” das artes – os artistas que produzirem obras que as pessoas racionais valorizam tendem a prosperar; quem produz obras que as pessoas racionais não valorizam tendem a encontrar outras profissões.

Em resumo, os princípios-chave do Objetivismo são: a realidade é um absoluto, a razão é o único meio de conhecimento do homem, o homem possui livre-arbítrio (a escolha de pensar ou não), o autointeresse é moral, os direitos individuais são absolutos, o capitalismo é moral e a boa arte é crucial para a boa vida.

Tradução por Breno Barreto

Revisão por Matheus Pacini

Publicado originalmente em The Objective Standard.

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