Fala-se
muito na ascensão das classes menos favorecidas, formando uma "nova
classe média", realizada por degraus que levam a outro patamar
social e econômico (cultural, não ouço falar). Em teoria, seria um
grande passo para reduzir a catastrófica desigualdade que aqui
reina. Porém receio que, do modo como está se realizando, seja uma
ilusão que pode acabar em sérios problemas para quem mereceria
coisa melhor. Todos desejam uma vida digna para os despossuídos, boa
escolaridade para os iletrados, serviços públicos ótimos para a
população inteira, isto é, educação, saúde, transporte, energia
elétrica, segurança, água, e tudo de que precisam cidadãos
decentes.
Porém,
o que vejo são multidões consumindo, estimuladas a consumir como se
isso constituísse um bem em si e promovesse real crescimento do
país. Compramos com os juros mais altos do mundo, pagamos os
impostos mais altos do mundo e temos os serviços (saúde,
comunicação, energia, transportes e outros) entre os piores do
mundo. Mas palavras de ordem nos impelem a comprar, autoridades nos
pedem para consumir, somos convocados a adquirir o supérfluo, até o
danoso, como botar mais carros em nossas ruas atravancadas ou em
nossas péssimas estradas. Além disso, a inadimplência cresce de
maneira preocupante, levando famílias que compraram seu carrinho a
não ter como pagar a gasolina para tirar seu novo tesouro do pátio
no fim de semana. Tesouro esse que logo vão perder, pois há meses
não conseguem pagar as prestações, que ainda se estendem por anos.
Estamos
enforcados em dívidas impagáveis, mas nos convidam a gastar ainda
mais, de maneira impiedosa, até cruel. Em lugar de instruírem,
esclarecerem, formarem uma opinião sensata e positiva, tomam novas
medidas para que esse consumo insensato continue crescendo – e,
como somos alienados e pouco informados, tocamos a comprar.
Sou
de uma classe média em que a gente crescia com quatro ensinamentos
básicos: ter seu diploma, ter sua casinha, ter sua poupança e
trabalhar firme para manter e, quem sabe, expandir isso. Para
garantir uma velhice independente de ajuda de filhos ou de estranhos;
para deixar aos filhos algo com que pudessem começar a própria vida
com dignidade.
Tais
ensinamentos parecem abolidos, ultrapassadas a prudência e a
cautela, pouco estimulados o desejo de crescimento firme e a
construção de uma vida mais segura. Pois tudo é uma construção:
a vida pessoal, a profissão, os ganhos, as relações de amor e
amizade, a família, a velhice (naturalmente tudo isso sujeito a
fatalidades como doença e outras, que ninguém controla). Mas, mesmo
em tempos de fatalidade, ter um pouco de economia, ter uma casinha,
ter um diploma, ter objetivos certamente ajuda a enfrentar seja o que
for. Podemos ser derrotados, mas não estaremos jogados na cova dos
leões do destino, totalmente desarmados.
Somos
uma sociedade alçada na maré do consumo compulsivo, interessada em
"aproveitar a vida", seja o que isso for, e em adquirir
mais e mais coisas, mesmo que inúteis, quando deveríamos estar
cuidando, com muito afinco e seriedade, de melhores escolas e
universidades, tecnologia mais avançada, transportes muito mais
eficientes, saúde excelente, e verdadeiro crescimento do país. Mas
corremos atrás de tanta conversa vã, não protegidos, mas embaixo
de peneiras com grandes furos, que só um cego ou um grande tolo não
vê.
A
mais forte raiz de tantos dos nossos males é a falta de informação
e orientação, isto é, de educação. E o melhor remédio é
investir fortemente, abundantemente, decididamente, em educação:
impossível repetir isso em demasia. Mas não vejo isso como nossa
prioridade. Fosse o contrário, estaríamos atentos aos nossos gastos
e aquisições, mais interessados num crescimento real e sensato do
que em itens desnecessários em tempos de crise. Isso não é subir
de classe social: é saracotear diante de uma perigosa ladeira. Não
tenho ilusão de que algo mude, mas deixo aqui meu quase solitário
(e antiquado) protesto.