Só existe uma explicação para a vida sedentária:
praticar exercícios vai contra a natureza humana.
A lista dos benefícios da atividade física está cada vez mais longa.
Praticar exercícios confere força muscular, ativa a circulação do sangue, melhora a oxigenação do cérebro e dos demais tecidos, além de combater a obesidade, proteger contra complicações cardiovasculares, diabetes, Alzheimer, doença de Parkinson e diversos tipos de câncer, como demonstram os estudos populacionais.
Apesar dessas constatações, explicar os mecanismos por meio dos quais a atividade física é capaz de aprimorar tal variedade de funções orgânicas tem sido difícil.
Em dezembro passado, um grupo italiano deu a primeira contribuição para esclarecer esse mistério. Em publicação na revista "Autophagy", eles demonstraram que o exercício induz autofagia.
Autofagia é um mecanismo fisiológico que acontece no interior das células, por meio do qual restos de membranas, organelas e demais estruturas celulares envelhecidas ou deterioradas são englobadas e cortadas em pedaços para que seus componentes sejam reaproveitados, num processo silencioso de renovação contínua.
Essa reciclagem está presente em organismos que vão dos fungos aos mamíferos. Ela é fundamental para que as células possam obter a energia necessária para exercer suas funções. Quando algum estresse aumenta demanda de energia, a autofagia aumenta.
Os pesquisadores italianos mostraram que o estresse causado pelo exercício físico estimula e potencializa a autofagia na musculatura de ratos atletas.
Em janeiro deste ano, Beth Levine, da Universidade do Texas, publicou na revista "Nature" uma pesquisa que confirma e aprofunda essa relação de causa e efeito: de fato, a autofagia está por trás dos efeitos benéficos da atividade física.
Numa primeira fase, Levine comprovou que camundongos mantidos naquelas rodas, em que o animal anda sem sair do lugar, apresentavam níveis mais elevados de autofagia não apenas nos músculos, mas em diversos órgãos.
Na segunda fase, comparou um grupo de camundongos normais com outro formado por camundongos mutantes que tinham como característica a total incapacidade de acelerar a autofagia em resposta ao estresse.
Nos camundongos normais, os músculos submetidos a exercícios extenuantes consumiram cerca de 85% da glicose obtida na alimentação. Como consequência, os níveis de glicose e de insulina na circulação diminuíram.
Nos mutantes, incapazes de responder com aumento da autofagia, o estresse causado pela mesma atividade física não modificou os níveis sanguíneos de glicose e insulina. Conclusão: a resposta da autofagia ao estresse é responsável pelos benefícios metabólicos imediatos da atividade física.
Para analisar os efeitos tardios, Levine engordou os dois grupos de camundongos até desenvolverem diabetes, para depois obrigá-los a fazer exercícios diários numa esteira rolante.
Passados dois meses, os ratos normais tinham ficado livres do diabetes e reduzido os níveis de colesterol e triglicérides, enquanto os mutantes continuavam diabéticos. Conclusão: o aumento da autofagia em resposta ao estresse também é fundamental para os efeitos a longo prazo da atividade física.
O exercício físico regular provoca adaptações duradouras na musculatura. A principal delas ocorre nas mitocôndrias, organelas celulares que funcionam como centrais de produção de energia, e que se desgastam com o passar dos anos. Para melhorar seu rendimento a fim de cobrir a demanda de energia solicitada pelo aumento da atividade física, as mitocôndrias entram num processo de renovação que retarda o envelhecimento.
Essas descobertas ainda não esclarecem os detalhes do papel da atividade física na redução dos casos de câncer e doenças neurodegenerativas.
Não explicam também porque aqueles que resolvem andar míseros 40 minutos por dia depois de receber o diagnóstico e o tratamento convencional de câncer de intestino ou de mama aumentam de 30% a 50% suas chances de cura definitiva.
São tantos os benefícios da atividade física, leitor, que só existe uma explicação para a vida sedentária que a maioria leva: praticar exercícios vai contra a natureza humana. Nenhum animal adulto desperdiça energia. Você já viu uma onça no zoológico dando um pique para perder a barriga?