A primeira vez que estive no Rio, tinha 12 anos. Fui com meu pai, minha mãe e meu irmão, todos amontoados num Karman Ghia TC. Meu pai devia ter algum complexo por não ser piloto de Fórmula 1, ao menos é a explicação que eu encontro para ele dirigir com os dois braços completamente estendidos e o banco reclinado à distância máxima do volante. Ou seja, eu e meu irmão viajamos 1.500 km de Porto Alegre até o Rio sentados atrás do banco da minha mãe. Dever ser por isso que somos tão próximos até hoje.
Ficamos hospedados em Copacabana, a uma quadra da praia. A janela do nosso quarto dava para os fundos de dois imensos prédios, com uma pequeníssima lacuna entre eles. Lacuna que permitia que eu enxergasse um pedacinho ínfimo da Av. Atlântica, tão ínfimo que, quando passava uma bicicleta no calçadão, antes que aparecesse a segunda roda, a primeira já tinha desaparecido. Ainda assim tive a pachorra de voltar para casa dizendo que tinha ficado num hotel com vista para o mar.
Uma mentira parcial, aos 12 anos de idade, não parecia pecado.
Lembro do cheiro bom de maresia, e a cidade tinha uma energia própria e um idioma próprio também, com uma quantidade extra de erres e esses que no sul não se costuma esbanjar. Além disso, o Rio tinha gosto. O gosto da liberdade e da descompostura.
Voltei ao Rio diversas vezes durante a adolescência, e depois entrei num longo jejum, só retornando à cidade em 1995 a convite da vibrante Elisa Lucinda para um sarau na saudosa Letras & Expressões. A partir daí, as livrarias do Rio viraram, pra mim, outra espécie de praia. Se os cariocas encontram sua turma na areia, eu encontro a minha entre estantes abarrotadas de livros. Meu posto é na Travessa de Ipanema.
Tenho muita simpatia pela Ponte de Tábuas, no Jardim Botânico, e já vivi ótimos momentos na Argumento, do Leblon, mas a Travessa é que costuma ser o cenário dos meus “nunca imaginei um dia”. Quando lancei “O Divã”, ainda antesde ser colunista do Globo, foi nos fundos da livraria que topei pela primeira vez com Lilia Cabral, que incorporou a personagem do meu primeiro romance. Foi chegando para autografar “Fora de mim”, na Travessa também, que me deparei com uma fila de leitores que ia até a rua Aníbal de Mendonça, num dia de chuva! Pensei: me enganei de data, deve ser o Veríssimo na área.
Mas era por mim que aguardavam, e desde então a Travessa acabou virando meu amuleto em dia de sessão de autógrafos e também para reuniões de trabalho e encontro com os amigos. Não, meu bronzeado não é de lá, também não vamos exagerar.
Cariocas, hip hip hurra! Um brinde à cidade que vocês trazem no nome e que eu, forasteira, adotei como minha.