Neste filme todos estão prisioneiros da vida,
presos no visgo grosso das circunstâncias.
Diante de um juiz que sequer está em quadro, um homem e uma mulher pedem o divórcio. Assim começa o filme A Separação, do iraniano Asghar Farhadi. Que não se espere uma história de amor, o amor rompido é apenas ponto de partida para uma reflexão sobre o certo e o errado, sobre o desejo de dizer a verdade e a necessidade de mentir.
Como tantas vezes na realidade, neste filme todos estão prisioneiros da vida, presos no visgo grosso das circunstâncias. Todos têm razão e o peso dessa razão os esmaga. Ela quer emigrar para dar a sua filha de 11 anos mais oportunidades do que ela teria no Irã. Está certa. Ele quer ficar, para cuidar do velho pai em estágio adiantado de Alzheimer. Está certo.
O que as pessoas fazem quando estão certas, mas estar certas torna errada sua vida? Jogam a culpa no outro, acusando-o de incompreensão. E embora pareça paradoxal, mais uma vez estão certas. O outro, de fato, não está compreendendo, ou mais precisamente, não está aceitando que aquilo que compreende seja colocado em primeiro lugar. Compreende o fato mas não compreende sua importância. Um filho único com pai doente tem o direito de pensar que o pai está no fim do percurso e precisa de assistência, enquanto a filha está apenas no princípio e terá ainda muito tempo para emigrar. A mãe de uma filha ainda menina tem o direito de pensar que a filha precisa sair o quanto antes de um clima de opressão e negação dos seus direitos, enquanto o velho que já não reconhece ninguém pode ir para uma instituição. Não há uma verdade única em jogo, há duas verdades equivalentes. E, entre essas duas verdades, a luta.
Como em uma música de Bach, o filme retoma seguidas vezes esse mesmo tema, acrescentado em cada rodada novos dados e novas personagens. E os novos dados aumentam a barreira de incompreensão em que cada personagem esbarra.
Em um filme dirigido por um homem, quase surpreende que sejam as mulheres as que mais buscam o entendimento, enquanto os homens não arredam pé das suas posições. E, no entanto, são justamente as mulheres as mais sofridas e esmagadas, pela violência dos maridos, pela prepotência da religião, pelo olhar vigilante de vizinhos e parentes, pela sua própria biologia.
O xador não é cômodo de usar, mesmo se as mulheres automatizam os gestos que comandam aqueles metros e metros de tecido. Treinam desde criancinhas, como se vê no filme. E como se vê no filme, quando precisam ter as mãos livres, prendem a barra do xador entre os dentes. Muitas vezes eu as vi assim quando estive no Irã, dentes trancados sobre o pano preto, para escolher uma fruta no mercado ou pegar dinheiro na bolsa. E me perguntei sobre o que mais trancavam os dentes.
De um bom filme podem se fazer muitas leituras. O discurso sobre a violência do cotidiano que oprime as pessoas é também um discurso sobre a violência de um regime político que oprime um país, assim como a impossibilidade de abrir a recepção para a verdade alheia nos fala de intolerância religiosa. Sempre, onde há censura, as metáforas florescem e os leitores se esmeram na captação dos significados ocultos.
Mas, parafraseando Freud, um charuto é também apenas um charuto. E uma história de desencontros nos remete, acima de todas as metáforas, à fragilidade das verdades humanas.
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