Tive o privilégio de assistir Zygmunt Bauman no Educação 360 e desde então tenho uma pulga gigante atrás da orelha. Lá pelas tantas, em sua palestra, Bauman diz que não há sentimento de pertença, que caminhamos de um espírito coletivo de comunidade para um espírito de imunidade. Em outras palavras, ressalta o quão imunes queremos ser uns em relação aos outros, o quanto perdemos nossa habilidade de sentir, de afetar, de promover encontro, intimidade.
Segundo Bauman, esse estado de imunidade, essa incapacidade de ser empático, essa liberdade ilimitada que encontramos nas redes sociais para opinar e especialmente criticar produziu uma era de suspeição mútua. Eis a minha mega pulga!
Se ele estiver certo, então significa que vivemos hoje um tempo em que todos suspeitam de todos, uma sorte de crise de crédito, do crédito daquilo que se afirma como verdade, da história. Vide Bel Pesce. Em outras palavras, uma crise de credibilidade que influencia diretamente o modo como nos relacionamos.
As redes sociais, como citei anteriormente, nos trouxeram alguns botõezinhos super nocivos a maneira como interagimos. Nas redes sociais podemos bloquear ou excluir tudo o que difere de nós. Podemos ouvir, ler e assistir só o que agrada nosso ponto de vista e dormirmos felizes para sempre. As redes sociais viraram câmaras que ecoam só o que nos apraz e isso desconstrói nossas habilidades sociais, mina nossa capacidade de gerar diálogo.
Nas ruas não temos como excluir ou bloquear o que nos incomoda. No trabalho, na escola ou em casa, fora das telinhas de computador e smartphones, somos convidados a lidar com conflito, com debate, com o diverso. Isso é normal. O problema é como temos reagido nessas situações. Invariavelmente damos as costas, ignoramos o conflito como oportunidade e acabamos por perder chances incríveis de aprendizado. Vez por outra preferimos erguer muros. Vide Brasília.
Erguemos muros também nas escolas. Muros entre professores e alunos, entre professores e pais, entre pais e diretores, entre dentro e fora da escola e especialmente entre público e privado. Nos inúmeros conflitos que habitam o cotidiano educacional, a ausência de diálogo fica clara quando percebemos os diversos mecanismos punitivos que permeiam as relações citadas acima.
Entre professores e alunos o conflito se dá de muitas maneiras, uma das mais comuns nasce no desinteresse do que aprende pelo que ensina o “ensinador”. Acho que vale um relato de algo que aconteceu em uma escola pública que visitei.
Depois de um papo aberto que tive com professores e coordenadores da escola, fui abordado por um professor de história, um jovem chamado André. O André me disse que estava muito alinhado com a ideia de explorar os espaços da cidade como sala de aula, de levar os alunos para a rua e que inclusive já tinha feito esse esforço e que tinha sido um fracasso. Me contou que organizou uma linda excursão para Petrópolis para seus alunos e que ninguém quis ir e que depois dessa nunca mais se atreveu a levar os alunos para a rua. Daí perguntei a ele se antes de preparar a excursão ele tinha feito uma escuta dos alunos, para saber se tinham sugestões de onde ir, do destino da excursão. A resposta vocês devem imaginar.
É bem óbvio que o fracasso da excursão do professor André nasce da não-escuta, do não-reconhecimento, da ausência de diálogo. Tivesse o professor sentado com seus aprendizes e ouvido os desejos, as ideias e insights dos jovens, a chance de sucesso da excursão seria bem mais provável.
Esse é um exemplo leve de como o diálogo é uma ferramenta esquecida na educação. É um exemplo suave, em contraste com as muitas situações de confronto e agressividade originadas no mutismo seletivo que reina em nossas instituições de ensino.
Quando falo de ausência de diálogo na educação, falo essencialmente de ausência de reconhecimento. Quando falo de ausência de diálogo, falo de imposição, falo de verticalidade, falo de autoritarismo. Falo de colonização do ser.
Bauman diz que diálogo é ferramenta de sobrevivência. Quem sou eu para discordar de Bauman?
Entretanto, faço um adendo: Diálogo é ferramenta de encontro, de aprendizado e especialmente, de descolonização do ser. Se nesse século 21 queremos de verdade estabelecer novas relações de ensino/aprendizagem, então precisamos com urgência reconhecer os aprendizes como seres que já são, que tem preferências, que têm interesses genuínos e que merecem ser escutados de forma afetiva e presente.
Para isso, precisamos visitar e experimentar uma nova comunicação, que contemple o diálogo tônico como mídia de encontro para além do verbal, que reconheça a escuta afetiva como técnica praticável e que merece ser trabalhada com consciência e vivencie a visão sistêmica como ferramenta de empatia, de reconhecimento de mapa de mundo, de respeito e entendimento.
O convite para educadores, para pais, para cidadãos ativos, é que mergulhemos novamente em nós mesmos, que nos re-sensibilizemos, que sejamos mais conscientes da importância do diálogo e que assumamos co-responsabilidade nesse processo orgânico e vivo de fazer educação como jardinagem (vide Ken Robinson).