Mentir
a aparência na internet
afasta no mundo real
afasta no mundo real
Em
tempos de internet e redes sociais estamos fadados a nos envolver com
desconhecidos. O garoto acha bonita a foto da garota no Twitter e faz
um elogio. Pronto. A mulher gosta das palavras do homem no Facebook e
curte. Começou. Um não sabe nada sobre outro, mas, rapidamente,
dois estranhos se tornam íntimos. Às vezes, apaixonadamente. Então
acontecem os problemas.
Outro
dia, me contaram uma história triste de desencontro digital.
Uma
moça conheceu um rapaz pela internet e se encantou pela conversa
dele. Passaram a se falar por telefone e o entusiasmo cresceu.
Finalmente, marcaram um encontro, e aí se deu o desastre: ele não
era como na foto. Apesar de sentir-se culpada e até mesmo
envergonhada, ela não conseguiu superar a decepção. Reconhecia o
rapaz que a fascinara quando ele falava, mas não conseguia sentir o
que sentira antes de vê-lo. Os olhos falaram mais alto que o
coração.
O
manual de conduta moral recomenda que, nessas ocasiões, a gente
critique a moça que julga as pessoas pela aparência e não é capaz
de reconhecer um homem interessante por trás de um rosto menos
atraente. Mas eu, pessoalmente, não farei isso. Acho que só poderia
julgá-la com rispidez quem nunca se deixou atrair (ou repelir) pela
aparência dos outros. Quantos de nós somos capazes de observar
apenas a personalidade das pessoas que nos cercam, sem se importar
com a beleza ou a feiúra delas? Bem poucos, eu suponho.
Entre
os homens, a decisão baseada em beleza é regra, não exceção.
Ouvi falar de caras que marcam encontros pela internet e, antes de se
aproximar, espiam de longe para ter certeza de que a moça é mesmo
bonita como imaginavam. Se não for, vão embora e telefonam
desmarcando, com uma desculpa qualquer. Talvez mulheres façam o
mesmo. Ninguém quer ser “passado para trás” nesse tipo de
situação.
Acho
que esses desencontros evidenciam dois tipos de problemas.
O
primeiro, antigo como a espécie humana, mas piorando acentuadamente,
diz respeito aos nossos valores. Somos, cada vez mais, um bando de
idiotas que julga a si mesmo e aos outros pela simetria facial, a
circunferência da cintura e a rigidez dos glúteos. Essa não é a
receita da felicidade universal, nem mesmo a fórmula para uma vida
mentalmente saudável. Há sociedades mais modernas e bem-sucedidas
que a nossa em que a aparência é um aspecto menos importante das
relações interpessoais. Gente bonita leva vantagem em qualquer
parte do mundo, mas isso não significa que pessoas comuns sejam
discriminadas. Ou discriminem a si mesmas, o que é ainda pior.
O
outro problema é a internet e os engodos que ela propicia.
Nas
redes sociais e sites de relacionamentos todo mundo é lindo. As
fotos são escolhidas com esmero, ou meticulosamente photoshopadas
para impressionar e seduzir. O truque funciona. Qualquer foto sexy e
bonita faz crescer o número de amigos e seguidores nas redes
sociais. O problema é que o objetivo final dessa publicidade
enganosa é um encontro frente a frente. De que adianta colocar fotos
de tirar o fôlego na internet e aparecer depois, pessoalmente, com a
carinha sem graça que Deus lhe deu? O desapontamento que isso
provoca é devastador.
No
mundo real, quando uma pessoa sem atrativos se aproxima para
conversar, a expectativa que ela provoca é baixa. Mas o grau de
interesse do outro sobe rapidamente de acordo com a qualidade do papo
e a empatia que ele produz. A atenção cresce à medida que se
manifestam o humor, o charme e a personalidade. Pode acontecer que em
meia hora ou em duas semanas a outra pessoa esteja totalmente
seduzida. Todos conhecem esse tipo de história. Acontece o tempo
todo.
Com
o encontro antecedido de fraude na internet ocorre o contrário. O
interesse do outro começa lá em cima, em 100, mas, assim que a
pessoa se mostra de verdade, como realmente é, ele vai caindo para
70, 60, 40... É difícil conter uma derrocada dessas. O
desapontamento e a sensação de logro são muito fortes. Quem
esperava pela beleza não aceita receber outra mercadoria. Sente-se
injustiçado.
Se
eu pudesse mudar as coisas num passe de mágica, faria com que nós,
todos nós, fôssemos menos preocupados com a aparência. Quando se
trata de relacionamentos, ela, sabidamente, não nos leva além da
página 2. É apenas um bom começo. Se não houver outras razões
para atrair interesse, o fascínio da beleza evapora como éter –
deixando no ar um cheirinho enjoativo.
Como
eu não acho que a obsessão coletiva com a beleza vá desaparecer
tão cedo do nosso meio, recomendo respeitá-la. Não tente se fingir
de galã na internet se você não é. Não tente parecer uma gata
sedutora se não for o caso. Uma foto boa, mas honesta, e
intervenções online inteligentes, podem levar mais longe. Outra
coisa importante e que precisa ser lembrada: cada um de nós é mais
bonito do que imagina ser.
A
história que abre esta coluna é verdadeira e sugere que enganar as
pessoas na internet não é uma alternativa se você pretende
aproximar-se delas. Melhor mostrar-se como é, ainda que não pareça
o Brad Pitty ou a Halle Barry. Assim, quando estiver frente a frente
com a pessoa que seduziu à distância, a impressão só tende a
melhorar.
Com sorte, logo no primeiro encontro você passará da
página 2 e entrará no território da sensibilidade e dos
sentimentos. Nesse terreno, graça, caráter e sensualidade conduzem
o processo. E a aparência conta muito menos. Para a sorte de todos
nós.