A oposição à Sopa chegou a tais extremos que nós, defensores da
liberdade de expressão, impedimos as pessoas de se manifestarem.
Nós, que amamos a internet, adoramos o fato de tantas pessoas contribuírem para ela. É difícil acreditar que céticos já tenham chegado a achar que ninguém teria alguma coisa que valesse a pena dizer online.
Existe, entretanto, um ramo ultrapassado da ortodoxia digital que deveria ser aposentado. Nessa visão de mundo, a internet é um embate sem fim entre os mocinhos amantes da liberdade e os vilões, como os antigos magnatas da mídia de Hollywood. Os vilões querem ampliar a lei sobre os direitos autorais, e impedir que sejam postados vídeos e artigos anônimos.
A proposta da Stop Online Piracy Act (Sopa), que está sendo analisada na Câmara, enquanto o Senado avalia projeto semelhante, é rotulada como a pior já apresentada. Sites muito visitados, como a Wikipedia, fizeram um blecaute para protestar contra esse tipo de projeto de lei. O Google pôs tarja preta sobre o próprio nome. Coisa nunca vista. Foi extraordinário porque mostrou que a crença na prioridade de combater a Sopa é absoluta a ponto de superar a missão declaradamente não partidária desses sites.
Na verdade, a legislação incluiu medidas draconianas em vários projetos, portanto eu me uno aos colegas na crítica a essas propostas. Mas nossa oposição se tornou tão radical que está sendo mais prejudicial que benéfica a nossa causa. As raras companhias da área de tecnologia que saíram em apoio da Sopa não são apenas criticadas, mas também proibidas de participar de eventos do próprio setor e sujeitas a boicote. Nós, os guardiões da chama da liberdade de expressão, estamos impedindo que as pessoas se manifestem. O resultado é uma atmosfera gélida na qual existe o medo de se dizer o que se pensa.
Nosso melodrama nasce de uma visão de uma internet aberta que já está distorcida, embora não pelos setores mais antigos que temem a pirataria.
Por exemplo, até um ano atrás, eu gostava muito de certo tipo de conteúdo gerado pelos usuários: participava de fóruns nos quais os músicos falavam sobre instrumentos musicais. Por muito tempo, fui alertado de que poderosos obcecados por uma posição de controle, como os magnatas da imprensa, poderiam me tirar meus amados fóruns. Um fórum poderia ser fechado por estar hospedado num servidor com conteúdo pirateado.
Embora reconhecendo que essa seja uma possibilidade concreta, um fator muito diferente – as redes sociais proprietárias – está acabando com minha liberdade de participar dos fóruns de que eu gostava tanto, pelo menos em termos que aceito. Assim como muitas outras formas de contato, as conversações musicais estão se mudando para sites privados, particularmente o Facebook. Para continuar participando, devo aceitar a filosofia do Facebook, que analisa meu perfil e procura novas maneiras de cobrar de terceiros pelo uso dessa análise. No momento isso não me incomodaria muito, porque conheço muitas pessoas no Facebook e sei que são bastante honestas. Mas já vi muita coisa ocorrer com empresas. Quem sabe quem poderá estar usando meus dados daqui a 20 anos?
Pode-se argumentar que é tudo questão de escolha. Mas isso não leva em conta as consequências das redes, e a maneira como elas funcionam. Depois de um certo ponto, a escolha individual fica reduzida.
E a culpa não é do Facebook. Nós, idealistas, insistíamos que a informação online deveria circular livremente, o que significava que os serviços relativos à informação, não a própria informação, seriam a principal fonte de lucro. Algumas empresas vendem conteúdo, mas isso não se aplica ao lado econômico do conteúdo do dia a dia gerado pelos usuários.
A valorização exagerada do “conteúdo livre” inevitavelmente passou a significar que a “publicidade” se tornaria o maior negócio no aspecto aberto da economia da informação. Além disso, esse sistema não é tão positivo para os novos concorrentes. Uma vez criadas, é difícil reduzir o poder das redes. Os anunciantes do Google, por exemplo, sabem o que acontecerá se decidirem sair. O próximo maior lance para cada posição no modelo de leilão do Google para a venda de inserções herdará essa posição se o autor do maior lance se mudar. Por isso os anunciantes do Google tendem a ficar, pois as perdas com a saída são evidentes, enquanto os ganhos não são.
A estratégia óbvia na briga por uma fatia do bolo da publicidade está em excluir partes substanciais da internet de modo que o Google nunca mais as veja. É assim que o Facebook espera ganhar dinheiro, fechando totalmente uma enorme quantidade de informação gerada por usuários em um mundo estanque, fora do Google. As redes isolam seus usuários dentro delas, sejam eles membros do Facebook ou anunciantes do Google.
Essa crença na informação “livre” bloqueia os futuros caminhos para a internet. E se usuários comuns passassem a ganhar micro compensações por suas contribuições? Se todo conteúdo, não apenas o dos magnatas, fosse valorizado, talvez uma economia da informação pudesse proporcionar sucesso para todos. Mas, sob os atuais termos do debate, essa ideia mal pode ser sussurrada.
A pergunta que faço aos meus amigos do movimento pela internet “aberta” é: o que vocês achavam que aconteceria? Nós, no Vale do Silício, solapamos o direito autoral para que o comércio tivesse mais a ver com serviços que com conteúdo. A conclusão inevitável foi sempre de que acabaríamos perdendo controle de nosso próprio conteúdo pessoal, de nossos próprios arquivos. Assim, enfraquecemos não apenas Hollywood e antiquados defensores de conteúdo: enfraquecemos nós mesmos.
✽Jaron lanier, é o autor de you are not a gadget. É pesquisador da microsoft research. Escreveu esse artigo para The New York Times.