A gente só é capaz de compreender o significado da vida
quando olha a existência sob outra perspectiva.
Depois de 7,5 milhões de anos de cálculos, o ultracomputador desenvolvido exclusivamente por uma raça de seres estelares para responder qual é “o sentido da vida, do universo e de tudo o mais” finalmente dá sua resposta.
Anunciada “com majestade e calma infinitas”, o Pensador Profundo – esse é o nome do computador, de acordo com o Guia do Mochileiro das Galáxias, escrito por Douglas Adams – fornece a chave que irá desvendar o principal enigma do cosmos.
E a resposta dele para o sentido da vida é... 42. Isso mesmo, o número 42. O que suscita outras dezenas de milhões de perguntas, que podem ser resumidas numa só: “42 o quê?!?” Esse é o problema. Para entender o sentido da vida – e, por enquanto, vamos admitir que ela tenha um –, é preciso compreender algo que não está diretamente contido na própria vida.
Como o arco-íris, que não existe por si mesmo, mas que é apenas o resultado da interação entre nosso olho e a refração da luz nas gotículas de água, o significado da existência também nasce de uma parceria entre nós e aquilo que achamos que é a realidade. É uma atribuição ao que vivemos e experimentamos. Portanto, o número 42 como resposta, assim como a própria vida, pode não ter sentido nenhum. Somos nós que atribuímos, ou não, um significado para ele, com base no que vivenciamos e entendemos do mundo.
Por que será que precisamos tanto atribuir um valor especial para a vida? E quais os fatores que nos ajudariam a vivê-la mais plenamente? Bom, aí já dá para responder. Quando comecei a refletir sobre esta reportagem, lembrei-me de Deus. Mais especificamente, das primeiras páginas do Gênesis. Depois de haver criado céus e terra, peixes, animais, florestas e o ser humano, Ele teve um momento de contemplação. Olhou para sua criação e viu que tudo aquilo era bom. Foi a primeira atribuição de sentido para a vida: a de que ela era simplesmente boa. Não importa se no pacote vieram dor de dente e uma vaga atrás da coluna na garagem do prédio. No geral, ela é boa e generosa. No particular, pode incluir problemas.
“Mesmo quando achamos que a vida não tem nenhum sentido, estamos atribuindo um sentido para ela: o de que a existência é absurda, caótica, sem significado ou coerência”, diz a psicóloga paulista Karen Jimenez. Bom, ela tem razão. Esse olhar já carrega um monte de sentidos, inclusive. Ao contrário de Deus contemplando sua criação, muitas pessoas acham que vida é ruim, injusta, desagradável e até negativa. E, para a maioria delas, essa apreciação é deprimente. “Ela pode levar a um desânimo total”, diz Karen. Agora, sugere Karen, pergunte para uma pessoa que está vivendo uma grande paixão o que ela acha da vida.
Ou a uma criança brincando num parquinho. Ela nem vai querer perder tempo em responder a essa questão, tão interessada que está em viver. “Quem acha que a existência não tem sentido é porque perdeu seu encantamento por ela. Está desapaixonado pela existência. E qualquer coisa que não nos apaixona automaticamente nos desinteressa.” Nessa condição, tudo fica cinzento, com cara de dia nublado. “Somos seres que precisam de significado, seja no trabalho, seja nos relacionamentos ou nos seus projetos.” O sentido ativa nossa emoção – como o nome diz, aquilo que nos move para a ação.
“Ele nos devolve o prazer, o desejo de interagir, de criar”, diz Karen. Um dos segredos, então, é se apaixonar novamente por ela, descobrir seu encanto. Esse estado de graça geralmente nasce de uma harmonia interior, essencialmente espiritual, que se traduz depois numa harmonia exterior. Como diz Sócrates, em Fedro, na sua pungente prece: “... ajudai-me a buscar a beleza interior e fazer com que as coisas exteriores se harmonizem com a beleza espiritual”. Para a maioria de nós, esse sentimento de plenitude surge quando sentimos que estamos realizando o propósito do que viemos fazer nessa vida, algo que é único e individual. Aí a existência se reveste de sentido e beleza. “Imagine que o único propósito da vida seja só sua felicidade – então a existência seria uma coisa cruel e sem sentido.
Porém, seu intelecto e seu coração lhe dizem que o significado da vida é servir à força que o enviou o mundo. Então, quando isso acontece, a vida se torna uma alegria”, escreveu o russo Leon Tolstoi. Por que será que funcionamos assim? Por que o absurdo e a falta de sentido da vida nos incomodariam tanto? Uma teoria, por favor Quando a vida viola nossa lógica e expectativa, quando ela foge daquilo que supomos que aconteceria, mergulhamos num sentimento que o filosófo dinarmarquês Soren Kierkegaard descreveu como uma inquietante “sensação do absurdo”. É algo tão desagradável, tão desorientador, que o cérebro imediatamente se prepara para desenvolver uma coerência para aquilo que nos tirou do chão.
“Ficamos tão motivados em nos livrar dessa sensação que passamos a procurar significado e coerência em qualquer outro lugar”, diz Travis Proulx, pesquisador da Universidade de Santa Bárbara, na Califórnia, envolvido com estudos sobre como o absurdo molda o cérebro humano. Em entrevista ao jornal The New York Times, ele diz que cérebro é programado para identificar padrões e predizer o que está para acontecer com base neles. Os padrões nos dão um sentido, algo muito útil desde que o ser humano desceu das árvores e se colocou em contato direto com leões e outros predadores. Enfim, somos treinados para antever que isso mais aquilo só pode dar naquilo. Agora, imagine o que acontece quando a vida diz o contrário? De certa forma, enlouquecemos. Além disso, o cérebro é reacionário.
Ele “gosta” de padrões, de algo que se repete e que lhe permite fazer previsões, pois funciona a partir delas. E são justamente as sequências previsíveis que permitem a leitura de um significado. “Quando os padrões se rompem (por exemplo, quando alguém tropeça em algo inesperado, como uma poltrona de plástico no meio de uma floresta), imediatamente o cérebro passa a tatear por algo que faça sentido”, diz o pesquisador. Ou seja, passa a formular hipóteses, um dos passatempos prediletos da humanidade. Não nos conformamos facilmente com algo sem explicação. Porém, mesmo quando estamos confusos e desesperados, e quando a vida parece não ter significado algum, algo pode ocorrer.
As enfermeiras francesas Rosette Poletti e Barbara Dobbs, no livro Dar Sentido à Vida, falam da importância dos acontecimentos inesperados que podem mudar radicalmente nosso olhar sobre a existência, para melhor. “Mesmo numa vida que está indo à deriva, quando uma pessoa não leva mais adiante nenhuma busca de sentido, não acredita mais em seu futuro, não espera mais nada e quando nada mais tem significado para ela, sempre existe a possibilidade de uma reviravolta inesperada, surpreendente e, às vezes, milagrosa”, afirmam elas, que, inclusive, acompanharam muitos desses casos. O que as autoras afirmam é que o inexplicável pode sempre acontecer e mudar completamente uma convicção, uma situação, um jeito de ser. Isto é, algo improvável pode ocorrer e ser capaz de nos dar novamente um sentido à vida.
É sempre bom ter essa possibilidade em mente. O problema é que a existência também parece estar cheia de fatos aleatórios, não previsíveis e sem significado aparente. Essa falta de sentido é tão perturbadora que outro pesquisador, o físico Leonard Mlodinow, da Universidade de Berkeley, na Califórnia, se dedicou a escrever um livro inteiramente sobre como o acaso atropela e muitas vezes determina nossas vidas. O título é ótimo: O Andar do Bêbado. Diz o autor que a vida pode ser tão previsível quanto os passos de alguém que bebeu muito depois de uma festa. Ou que eles podem até ter um sentido. Mas que pode demorar muito para a gente saber qual. A tarefa a que o físico se propõe é falar sobre as leis que regem o acaso aparente, devolvendo um sentido à vida ao sustentar que eles não são tão aleatórios, imprevisíveis e caóticos assim. Isto é, que eles têm uma causa.
Ele também reconhece que a falta de significado existencial pode mexer muito com nosso equilíbrio emocional. “De fato, a resposta humana à incerteza é tão complexa que, por vezes, distintas estruturas cerebrais chegam a conclusões diferentes e aparentemente lutam entre si para determinar qual delas dominará as demais”, diz Mlodinow. Ou seja, ficamos confusos num mar de suposições de probabilidades. E tendemos a nos guiar pelas estatísticas: se determinada coisa aconteceu quatro vezes, é bem provável que também acontecerá uma quinta. Ou, então, a seguir a intuição, que muitas vezes desdiz o senso comum. O físico desconfia dessas duas respostas.
Ele acha que por trás da aleatoriedade funcionam outras regras, que pouco têm ver com a intuição ou o senso comum. E que conhecê-las nos ajuda a compreender a existência. “A capacidade de tomar decisões e fazer avaliações sábias diante da incerteza é uma habilidade rara. Porém, como qualquer habilidade, pode ser aperfeiçoada pela experiência”, diz ele. O acaso não é por acaso Uma das primeiras leis a se conhecerem, por exemplo, está baseada na Teoria dos Jogos, elaborada por um psicólogo, Daniel Kahneman, que, contra todas as probabilidades, acab ou ganhando o Nobel de Economia em 2002.
Aconteceu algo extraordinário com ele. Indicado para dar apoio psicológico a professores de pilotos de caça israelenses pela Universidade Hebraica, ele logo imaginou ensinar aos instrutores de pilotos a estratégia de recompensar comportamentos positivos em vez de punir equívocos, prática que funciona muito bem com ratinhos de laboratório. Mas um de seus alunos-instrutores discordou veementemente. “Muitas vezes elogiei meus alunos por manobras bem executadas, e na vez seguinte os pilotos sempre se saíam pior. E já gritei com eles por manobras mal executadas, e eles melhoraram logo em seguida”, disse ele.
Essa reclamação espontânea foi o primeiro passo para o Prêmio Nobel de Kahneman. Em vez de impor suas ideias, ele foi atrás da razão por que acontecia isso – isto é, do sentido. E observou que estava diante de um fenômeno chamado de regressão à média. Descobriu que desempenhos extraordinários – tanto ruins quanto bons – eram pura questão de sorte ou azar, já que a tendência dos pilotos aprendizes era ter um desenvolvimento médio que evoluía lentamente. E que no dia seguinte após de um grande feito, ou um fracasso, a tendência era voltar à média.
Por isso o instrutor tinha a impressão de que o elogio não funcionava, pois no dia seguinte o piloto voltava ao desempenho normal e não conseguia repetir seu feito. Também por isso é que ele pensava que a bronca dava certo – pois após uma barbeiragem a tendência do piloto era voltar à média e “melhorar”. O que Leonard Mlodinow explica em seu livro são as diversas leis, segundo vários autores e cientistas, que agem com relação à aleatoriedade.
Em outras palavras, o acaso existe, mas há muitas leis que o regem que desconhecemos. Em outras palavras, ele diz que o acaso não é caótico nem absurdo, mas que segue leis complexas que ainda não conseguimos desvendar. Isso complica um pouco as coisas, que não são tão simples e diretas quanto podemos imaginar e prever. “Sei que a vida parece ter sentido, mas não sei exatamente qual”, diz com sinceridade o administrador de empresas paulista Fabio Constantino Magalhães.
“Acho que levaria muito tempo para compreendê-la e mais tempo ainda para poder manipulá-la”, afirma. Sabiamente, ele admite seus imprevistos e acasos e não se horroriza mais com eles. “Nunca vou conseguir controlá-los, mesmo”, diz. Prefere então levar a vida com senso de humor, acreditando num sentido maior favorável e generoso, mas não necessariamente explícito e identificável para nós. Em resumo, mesmo não dominando as leis que regem o acaso, e tomando decisões imperfeitas e fazendo muitas bobagens, é possível que a existência, ainda assim, esconda um sentido oculto. O filosófo alemão Arthur Schopenhauer dizia que, perto do fim da vida, temos a chance de olhar para trás e contemplá-la.
Dessa maneira vamos perceber como cada evento, que se acreditava ser apenas uma nota isolada e sem relação com as outras, na verdade fazia parte de uma grande e bela sinfonia. Como todos aqueles que acham que a vida tem sentido, espero que ele tenha razão. Do caos à prática Sempre vai haver alguém para tentar explicar o significado da existência, mesmo afirmando que ela não tem sentido algum. Um dos maiores exemplos da ala dos que defendem o absurdo total da existência é o anárquico grupo de comediantes inglêses Monty Python. Nas primeiras cenas do filme O Sentido da Vida, realizado por eles, vemos um velho prédio que desliza por Manhattan, na verdade uma caravela repleta de piratas disfarçada.
Os bucaneiros invadem a sala principal da Maior Corporação das Américas enquanto Harry, um dos melhores executivos da empresa, explanava sobre o sentido da vida com base em dois conceitos fundamentais: o de que as pessoas não usam mais chapéus como antigamente e de que a alma só passa a existir depois de um longo processo de autoobservação. Executivos e piratas entram em luta, o narrador do filme pede desculpas por um início tão caótico, um prédio cai por cima do escritório-navio e a fita começa de novo.
Para os integrantes do Monty Python, só o absurdo pode explicar o absurdo existencial. Esse tema também é muito caro aos fi lósofos. E para um historiador da filosofia, o inglês Julian Baggini. Competente e hábil nas tiradas típicas do humor britânico, ele escreveu o livro Para Que Serve Tudo Isso?, em uma notável tentativa de explicar o que os filósofos já falaram sobre o sentido da vida. Que, para ele, como para seus compatriotas do Monty Python, também não tem signifi cado algum. Mesmo assim, é uma delícia acompanhar seu raciocínio. Ao fazer isso, Baggini parece uma dona de casa inglesa de meia-idade que entra num quarto desarrumado para tentar organizá-lo, enquanto resmunga: “Céus, esses filósofos deixaram isso aqui um caos! Olha que ba-gun-ça!”
Posso imaginá-lo examinando Soren Kierkegaard como se fosse um vaso de Murano e dizendo: “Esse aqui eu vou colocar ali! Sartre com aquelas teorias existencialistas, vou pôr perto da entrada, para não atrapalhar depois, e Schopenhauer vai ficar melhor ali, ao lado da felicidade...” Assim Baggini vai espanando, trocando móveis de lugar, colocando fora o que não interessa. Quando a gente termina o livro, está tudo arrumadinho. Pode não ser do nosso gosto, mas numa coisa ele tem razão: é melhor pensar num quarto limpo. Depois de afastar a possibilidade da existência de um universo com propósito e significado já no primeiro capítulo e, com isso, a negar a hipótese de Deus (não é preciso concordar com ele, por sinal), Baggini navega por mares interessantes e insuspeitados, levando em conta toda a história da filosofia. Pode-se discordar, mas ele dá uma excelente base de discussão e nos ensina a raciocinar. No fim, ele próprio reconhece: “Temos que sair e viver a vida, e não conseguiremos fazê-lo se estivermos pensando inutilmente ‘para que serve tudo isso’”.
Ele reconhece que a filosofia serve para se raciocinar sobre a vida e que isso é legal – se não ocupar tempo demais. Em vez de se perder em elucubrações, Baggini propõe algo bem mais prático: amar. “O amor dá sentido à vida mesmo que ela não tenha sentido ou propósito”, afirma. “O amor – em todas suas formas – é crucial para os seres humanos e uma das coisas que fazem com que valha a pena existir.” Com ele é mais fácil enfrentar a incerteza, a fragilidade e a imprevisibilidade da existência, diz Baggini. Num dos seus contos, outra vez o escritor russo Leon Tostoi dá as chaves para que a vida tenha sentido: priorizar o que está acontecendo a cada instante, considerar como a mais importante do mundo a pessoa que está a seu lado naquele momento e fazer tudo que estiver ao seu alcance para torná-la feliz.
Ou, como diz Robin S. Sharma no livro Descubra seu Destino, ouvir o chamado do seu propósito de vida, transformar as provações diárias em experiências recompensadoras e saber amar. Nas palavras de Baggini, degustar a vida e vivê-la com amor. Parece que pelo menos nisso dá para concordar com eles.