Quem tem mãe tem tudo — é frase que ouvimos desde criança. E não há quem não a reverencie, tenha sido ela boa ou má. Mas existirá alguma mãe que possa ser designada como má?
Naquela tarde, no Café Severino, propusemos o tema. Que cada um falasse sobre a própria mãe. Principalmente, do que mais lhe devia como gratidão.
— Com a minha mãe aprendi a ser paciente, a saber esperar — disse o Chico. — Devo isso a ela.
— Com a minha, o amor pelas viagens — declarou a Suzana.
— A minha me incentivou a ler. Fazia sugestões. Colocava um livro na minha mão e dizia: “Leia este, é bom, você vai gostar” —
garantiu a Carla.
E assim foram se sucedendo as virtudes que cada um de nós destacava e louvava em sua própria mãe.
Quanto a mim, sempre admirei na minha mãe a tolerância, a piedade, a misericórdia. Ela não acreditava no mal. Por isso, não acreditava no inferno. Dizia sempre:
— Ah, Deus se compadece de todos! Não há de condenar ninguém ao fogo eterno!
Gostaria de ter seguido seus passos, exercitado com mais fervor essas virtudes que nela eram naturais, como se nem virtudes fossem.
As mães são um assunto inesgotável. Não há, entre os seres humanos, nenhum que tenha deixado de sentir — ainda que por um segundo — o calor dos braços de uma mãe. Ou sofrido com a ausência deles. E a frase mais definitiva, aquela que encerra todas as discussões, é a que diz apenas: mãe é mãe.
E todos citaram também as imagens maternais que guardavam na memória e que representavam um gesto de extrema bondade. E lembrou-se de tudo, muitas vezes com emoção e sempre com saudade. Para mim, o gesto maternal mais comovente é o da mãe que vai à cama do filho, quando a noite esfria, para ver se ele está agasalhado, protegido. E ajeita a coberta sobre ele, ternamente.
Foi nesse momento que chegou o Raul.
— Do que é que vocês estão falando? — quis ele saber.
— Falamos de mães — informou o Gabriel.
— A favor ou contra?
Então ouvimos uma voz perguntar:
— Posso participar?
Nós nos entreolhamos, surpresos. Não conhecíamos aquele homem que aparentava uns 60 anos e nos olhava da mesa vizinha. Sem esperar a resposta, ele aproximou uma cadeira, sem deixar a mesa que ocupava:
— Só quero dizer a vocês que o que eu mais lembro e louvo em minha mãe, que já morreu há muitos anos, foi uma surra de vassoura que ela me deu.
Novamente nos entreolhamos, surpresos e divertidos. Ele continuou:
— Acreditem. Uma surra de vassoura. Melhor: com o cabo de uma vassoura!
— Pode-se saber a razão da surra? — perguntou a Carla, escancarando os olhos, como sempre.
— Porque fui reprovado na escola — respondeu o desconhecido. — Éramos pobres, órfãos de pai, e com muito trabalho minha mãe pagava uma escola particular, que era a melhor da cidade em que morávamos. Ela me batia e dizia, enquanto eu gritava: “Você não tem o direito de ser reprovado e com isso me obrigar a pagar um ano a mais de escola! A viver um ano a mais de sacrifício!”.
E concluiu, levantando-se:
— Não pensem que ela era cruel. Não. Ela me dava também muitos beijos e me contava histórias na hora de dormir. Mas sabia dividir seu amor entre o carinho e o cabo de uma vassoura. Não me esqueci nem de um, nem de outro. Aos dois eu devo a minha formação. Desculpem a intromissão. Boa tarde para todos.
E ele partiu. Foi o nosso momento de descontração naquela linda tarde de outono. A reunião acabou depois de um brinde que fizemos a todas as mães, vivas e mortas. Àquelas que nos ensinaram com beijos e com cabos de vassoura.
Mais tarde, caminhando no Leblon, as luzes das ruas já acesas, como a me protegerem — maternais — da escuridão da noite, repeti para mim mesmo: mãe é mãe.
* * *
O pensador francês Roland Barthes (1915-1980), em seu Diário de Luto, conta que deixou de temer a própria morte depois que a mãe morreu. Descobriu que o que temia, na verdade, era pensar no sofrimento que causaria caso morresse antes dela.
Vale repetir: mãe é mãe. E está dito tudo.