1972. Rio de Janeiro, zona norte da cidade. Noite. Quando as luzes do palco do Maracanãzinho se acenderam, lá estava ele. Enigmático como uma esfinge.
Parado, desafiante, diante da imensa e ensurdecedora plateia. Encarando cada uma daquelas milhares de pessoas que extasiadas não tiravam os olhos dele, como que perguntando a cada uma delas e a todas ao mesmo tempo: o que foi, nunca me viu antes? Vai se acostumando.
E foi só a primeira nota da
música começar a tocar e ele começou a se contorcer e a estalar os dedos: um,
dois, um, dois, três ! E começou a cantar junto com os instrumentos,
distorcendo a voz ainda mais que a guitarra elétrica ou o contrabaixo e a fazer
mais barulho que a bateria.
Let me sing, let me sing ! –
pedia ele, amplificado pelo microfone prateado. E a multidão, como que
hipnotizada, acompanhava em coro. E batendo palmas se juntava ao ídolo cantando
junto com ele: let me sing my rock and roll!
Se Luiz Gonzaga, que ele
considerava alma gêmea de Elvis Presley e era um de seus grandes ídolos, visse
aquilo certamente diria: Vixe, Maria. Eita, som danado de bom !
Quem estava lá, lembra: foi
uma loucura!
Ele chamava a atenção. Era
algo completamente novo pra época. Fazia o tipo que, quando você olha da
primeira vez ou ouve, pensa de cara: é show !
Botinha de couro prateada,
calça justa dourada de veludo molhado e uma camisa roxa aberta até o peito -
que ele usava coberto de reluzentes medalhões, bem ao estilo dos grandes ídolos
do rock do início dos anos 70.
Foi desse modo que a
multidão o viu pela primeira vez. Era impossível não notar naquele cara - alto,
bem magro e ligeiramente desengonçado. Ô, magro abusado ! Era impossível ficar
indiferente a ele. Era alguém especial, dava pra perceber. Alguém que parecia
trazer escrito na testa o seu destino: estrela !
Dentro em breve ele se
transformaria num dos artistas mais amados, polêmicos e reverenciados de toda a
historia da musica popular brasileira, especialmente do capítulo rock.
Muito embora ele não
gostasse nem um pouco de ser rotulado, para muitos, ele foi o pai do rock
brasileiro.
Foi ele balbuciar
Uha-Bap-Lu-Bap-Lah-Béin-Bum! e a alegria tomou conta do lugar. A histeria foi
generalizada e todos começaram a pular e a cantar com ele, transformando aquele
estádio lotado num grande e animado salão de festas .
Era o rock and roll
renascendo no Brasil. E, dessa vez, ninguém mais tinha dúvidas: o rock vinha
pra ficar.
Ele era irreverente. Sua voz
e sua presença em cena eram mesmo impressionantes, diferentes de tudo ao que o
grande público estava acostumado até então. A verdade é que as grandes massas
pareciam não querer mais apenas ouvir long-plays de chá-chá-chá ou daquela
musiquinha que começava a parecer feita de uma nota só e que anunciava que,
para se ser feliz, bastava um cantinho e um violão. Isso não era verdade. Os
jovens haviam mudado. Suas ideias e seus cabelos haviam crescido e agora eles
sabiam o que queriam: liberdade.
Aqueles eram os anos de
sexo, drogas e rock and roll.
1972 seria o ano da sua
consagração definitiva.
As manchetes dos jornais do
dia seguinte seriam: tem algo de novo no mundo do iê-iê-iê e da tropicália. Ele
não ganhou o Festival daquele ano, mas ganhou o Brasil e o mundo e algumas de
suas mais belas composições, como Ouro de Tolo, Maluco Beleza e Gita, dentro em
breve seriam gravadas por diversos outros artistas consagrados e até mesmo em
diversas outras línguas como o inglês, o espanhol e o italiano.
Se no Maracanãzinho ele
cantara para 25 mil pessoas – há quem fale em 40 mil - , na Praia do Gonzaga em
Santos este número subiria para 150 mil e um show realizado anos depois em sua
homenagem reuniria inacreditáveis mais de 600 mil.
E quantos não o assistiam
naquele momento ao vivo pela TV ?
Ele era o cantor das
multidões.
Seu nome? Raul. Raul Seixas.