Chamamos sensibilidade ao conjunto de nossos sentimentos e sensações e ao modo como os experimentamos.
Nossa sensibilidade pode ser mais bruta ou mais elaborada. Podemos, entretanto, dizer que alguém não tem sensibilidade. Neste caso, nos referimos às pessoas que denominamos de “frias” e que, em geral, pensamos ser aquelas que fazem um uso mais assíduo da razão. Usamos a metáfora da frieza em oposição à outra bem conhecida, a que se refere ao calor dos sentimentos. Assim expressamos que os sentimentos aproximam, enquanto a razão afasta; eles aconchegam, enquanto ela põe limites. O sentimento é, por sua vez, o mais íntimo de cada um, algo que não se pode comunicar, por isso, os artistas procuram “expressões” para eles. O esforço de compreensão dos sentimentos é sempre poético e intuitivo.
A clássica oposição entre razão e sensibilidade, que culminou na filosofia e na literatura dos séculos XVIII e XIX, é o fruto da necessidade de sistematização das faculdades humanas, mas também obedece a um fator antropológico que coloca a razão como hierarquicamente superior aos demais atributos e capacidades humanos.
A sensibilidade envolve também a questão das sensações. Sensação é a informação que os sentidos recebem do mundo exterior ao corpo. Os gregos usavam a palavra Aisthesis para significar a sensação em geral ou a capacidade de perceber. Depois, e ao longo da tradição filosófica, tais informações seriam trabalhadas pela razão capaz de recolher os dados confusos e elaborar conceitos e juízos a partir deles. Platão pensava que a sensação era uma capacidade humana insuficiente para o alcance da verdade. Baumgarten usará o termo dos gregos para fundar no século XVIII a disciplina chamada “Estética” que se ocupará, segundo ele, do conhecimento dos sentidos.
Sensações são o que podemos conhecer por meio de nossos sentidos, ou seja, o que sabemos, em última instância, por meio de nosso corpo. Por isso, podemos pensar que o corpo inteiro, e não apenas os tradicionais cinco sentidos, é um lugar de conhecimento. Todavia, podemos não prestar atenção ao que informam os sentidos, em outras palavras, ao que diz o nosso corpo. Por exemplo, não costumamos prestar atenção ao que ocorre conosco quando dançamos. Sensibilidade é também a capacidade de perceber e interpretar as nossas sensações.
Os filósofos antigos já procuravam explicações para o mistério da sensação tão importante também para os modernos e até hoje, para nós. As sensações, como os sentimentos, também foram desvalorizadas. É com os filósofos que tem a razão como instrumento de trabalho na compreensão do mundo que temos a fundamentação do preconceito contra a sensibilidade. O trabalho do conceito com o qual se ocuparam resultou em falta de atenção à produção da sensibilidade. Mas nem todos foram desatentos a isso: Rousseau, no século XVIII falava que era preciso formar o homem sensível para que ele pudesse ser racional. É preciso, neste ponto, saber da importância da “educação artística” que mais do que um treinamento para as artes deve ser um trabalho na formação da sensibilidade baseada na atenção aos sentidos, aos sentimentos e ao corpo.
Tal posição é a que devemos defender hoje: a sensibilidade é uma categoria do conhecimento e uma categoria política. Ela é a base, a via de acesso ao mundo externo ao nosso corpo, o modo como se estabelece nossa relação com as coisas, justamente por ser um modo como experimentamos nosso corpo e os demais corpos. É o modo como olhamos para as coisas, como ouvimos, mas também como as pensamos.
O que melhor resume a sensibilidade é que ela é uma capacidade de ter atenção às coisas, o modo como nos dispomos ao que não somos e não conhecemos. O uso da razão, a produção do pensamento, depende desse gesto inicial de disposição, que envolve silêncio, a boa passividade e a escuta. O esforço de cada um, de todos os seres que sentem e usam a razão (sejam profissionais das artes, da filosofia, ou não), deve ser o de reunir, estabelecer pontes, reintegrar as capacidades. Toda nossa relação com a natureza e com o outro – além da relação com nosso próprio corpo, nosso próprio eu - depende deste esforço de integração do que está separado.