Ser rejeitado pelo Country é o castigo
por querer
pertencer ao clube mais gagá do Brasil
Passei a detestar clubes desde o dia em que, há muitos
anos, presenciei uma conversa entre alguns sócios de um famoso clube do Rio, o
Country. Nesse tempo a garotada tinha a mania de roubar carros, dar umas voltas
no quarteirão e depois largá-los em qualquer lugar. Detalhe: não eram ladrões,
apenas adolescentes brincando de transgredir.
Só que nesse dia a polícia viu, e foi atrás; os
meninos, apavorados, entraram no estacionamento do Country (eram filhos de
sócios), e a polícia foi atrás. O final dessa história não importa, mas nunca
esqueci do que ouvi. Segundo esses sócios, a polícia não tinha o direito de
entrar num clube privado, que tal? Foi a partir daí que comecei a detestar
clubes e, mais ainda, os que ditam as regras dos clubes.
No Country é assim: a pessoa que pretende ser sócia, em
primeiro lugar compra um título -entre R$ 500.000,00 e R$ 1.000.000,00; depois
paga o mico de ter seu nome estampado num quadro, e se arrisca a pagar um mico
ainda maior, o de não ser aceito (as famosas bolas pretas), e ter que fingir
que nada aconteceu. Ninguém jamais saberá porque a pessoa levou bola preta, e
também jamais saberá quem deu a(s) bola(s) preta(s). Esse é um ato de covardia,
e como no clube ninguém tem assunto, um prato para os sócios. O alvo predileto
dos que votam costuma ser mulheres solteiras e bonitas; eles sabem,
intuitivamente, que a elas jamais terão acesso. E tem o grupo das mulheres, que
pressiona os maridos para votar contra, porque não querem no clube mulheres
solteiras e bonitas, ai ai.
O Country é um clube decadente, frequentado por pessoas
-excetuando algumas poucas- tão decadentes quanto. Gente que não tem coragem de
se expor, e passa a vida almoçando, jantando, casando, traindo, roubando, dando
pequenos golpes dentro da própria família, protegida pelas paredes do clube; lá
tudo pode e tudo é perdoado, desde que aconteça entre os sócios. É como se
fosse um país dentro de outro país, com um presidente, seus ministros, suas
fronteiras, suas leis. Não sei onde tem mais mofo, se nos sofás ou nas cabeças
desses frequentadores, que adoram seus privilégios: as piscinas, as quadras de
tênis, a liberdade de assinar as notas para pagar no fim do mês -quando pagam.
Como os sócios estão, em boa parte, falidos, podem comer seu picadinho -ruim-
lembrando dos velhos tempos. Bom mesmo vai ser no dia em que um deles escrever
um livro contando as histórias do clube, que devem ser de arrepiar, mas vai ser
difícil: quando você fica sócio, passa automaticamente a fazer parte de uma
sociedade secreta, tipo uma máfia, onde a ormetà (voto de silêncio) é sagrada.
Tudo pode -e põe tudo nisso-, desde que seja só entre eles.
Logo que cheguei de férias soube do affair Guilhermina
Guinle, que tentou ser sócia do clube mas foi bombardeada por bolas pretas.
Pensei, pensei, e não entendi. Por que uma mulher bonita, charmosa, rica, de
sucesso, quer ser sócia do Country? E pensei que, como todos os que já
receberam as tais bolas pretas, ela mereceu: é o castigo de querer pertencer ao
clube mais gagá do Brasil. Dá para entender que uma pessoa pague uma fortuna
pelo título de um clube em que alguns poucos vão decidir se ela pode
frequentá-lo? E é possível alguém querer frequentar um lugar em que é preciso
pedir licença para entrar, e essa permissão ser dada -ou não- por um pequeno
grupo cujo momento de gloria é a reunião do clube, onde podem dar vazão às suas
frustrações e se vingar da vida? Não dá para entender mes-mo.
Aliás, seria uma boa ideia desapropriar aquele belo
terreno que dá frente para a av. Vieira Souto e fazer ali um jardim público
onde os atuais sócios poderiam ir dar seus passeios e falar mal da vida dos
outros, sem pagar um só tostão.
O papa se demitiu, os meteoros estão caindo, o mundo se
acabando, e o Country continua acreditando em suas bolas pretas. É de chorar.