Uma
casa e um smartphone: você precisa de mais alguma coisa? Hoje a
gente se enclausura e faz uma vida. O que fica do lado de fora da
janela é apenas uma cidade com ruas que levam a outras clausuras: a
do escritório, a da academia, a da igreja, a do shopping, a do
estádio, a da casa de amigos e familiares. Durante o trajeto, de um
ponto a outro entre as clausuras, vamos reclamando do trânsito e
olhando para os lados com aflição, a fim de conferir se não há
ninguém nos seguindo, à espreita.
A
cidade em que vivemos deveria despertar o mesmo sentido de lar que
nossa casa desperta. Também é uma referência emocional, e o
natural seria que circulássemos por ela com desenvoltura, alegria,
entusiasmo – valorizando os passeios e nos sentindo acolhidos. Uma
cidade é um espaço de integração e dinamismo, um elemento vivo.
Ela deve ser boa para nós, deve nos reservar um futuro. Uma cidade –
a nossa cidade – deve nos convidar para fazer parte dela com
profundidade, como um chamado amoroso. Mas para amá-la precisamos
confiar nela, admirá-la e considerá-la protetora.
Que
condição de cidadania pode haver em transitar apressadamente entre
clausuras, em não desfrutarmos do acolhimento que uma cidade,
qualquer cidade, deveria oferecer a quem nela vive?
Uma
amiga teve o carro roubado às 14h de um lindo dia de sol enquanto
estacionava aqui perto de casa. Minha cunhada resgatou o filho na
escola enquanto acontecia um tiroteio na praça em frente. Uma
conhecida foi assaltada duas vezes no mesmo mês e no mesmo
quarteirão. Isso restrito à minha vizinhança, imagino que você
também colecione histórias sobre a sua.
Quem
já teve o privilégio de viajar para locais mais seguros não se
conforma com a indignidade de caminhar pela própria cidade
desconfiando de quem cruza pela calçada. Comerciantes atendem por
trás de grades depois de certa hora – como se ainda houvesse um
horário mais perigoso do que outro. É ridículo se sentir ameaçado
pelo lugar onde se vive.
É
por isso que apoio os que lutam para atualizar nosso Código Penal.
Prisão perpétua para crimes hediondos, fim do regime de progressão
(que o preso cumpra sua pena integralmente) e redução da maioridade
penal para 16 anos quando houver prática de assassinato, estupro,
sequestro, pedofilia, tráfico de drogas, de órgãos, de armas.
Chega do prende e solta.
Política
é a arte de se deixar seduzir pelo poder, mas que poder? Nossos
engravatados discursam pomposamente, cortam fitas de inauguração,
vivem em reuniões, fazem de conta que representam o povo, enquanto o
povo continua negligenciado pela retórica, pela burocracia, pela
lerdeza, por leis obsoletas, por interesses eleitoreiros e pelo DNA
defeituoso deste país que, em vez de permitir que nos encantemos por
nossas cidades, faz apenas com que tenhamos medo delas.