Têm-me perguntado muitas
vezes quando escrevi o primeiro poema, quando nasceu a minha poesia. Tentarei
recordá-lo. Muito para trás, na minha infância, mal sabendo ainda escrever,
senti uma vez uma intensa comoção e rabisquei umas quantas palavras
semi-rimadas, mas estranhas para mim, diferentes da linguagem quotidiana.
Passei-as a limpo num
papel, dominado por uma ansiedade profunda, um sentimento até então
desconhecido, misto de angústia e de tristeza. Era um poema dedicado à minha
mãe, ou seja, àquela que conheci como tal, a angélica madrasta cuja sombra
suave me protegeu toda a infância. Completamente incapaz de julgar a minha
primeira produção, levei-a aos meus pais.
Eles estavam na sala de
jantar, afundados numa daquelas conversas em voz baixa que dividem mais que um
rio o mundo das crianças e o dos adultos. Estendi-lhes o papel com as linhas,
tremente ainda da primeira visita da inspiração.
O meu pai, distraidamente,
tomou-o nas mãos, leu-o distraidamente, devolveu-mo distraidamente, dizendo-me:
— Donde o copiaste?
E continuou a falar em voz
baixa com a minha mãe dos seus importantes e remotos assuntos. Julgo recordar
que nasceu assim o meu primeiro poema e que assim tive a primeira amostra
distraída de crítica literária.
Entretanto, progredia no
mundo do conhecimento, no desordenado rio dos livros, como um navegante
solitário. A minha avidez de leitura não se saciava, nem de dia nem de noite.
Na costa, no pequeno Puerto Saavedra, topei uma biblioteca municipal e um velho
poeta, Augusto Winter, que se admirava com a minha voracidade literária. «Já os
leu?», inquiria, passando-me um novo Vargas Vila, um Ibsen, um Rocambole. Como
uma avestruz, eu engolia tudo sem discriminações.