Ser
feliz não é comer sempre o mesmo prato no restaurante que você
mais gosta ou gozar de uma vida plena e tranquila; a ciência mostra
que a chave para a satisfação pessoal é fazer coisas arriscadas,
desconfortáveis e até mesmo desgastantes
Para
nós, psicólogos que estamos sempre viajando de avião, a maneira
como descrevemos nossa profissão para o vizinho de assento é
determinante para saber se passaremos cinco horas ouvindo intrigas,
detalhes de um casamento decadente, ou sobre o quanto é impossível
resistir a uma bomba de chocolate. Mesmo usando fones de ouvido
enormes, é impossível ignorar aquele passageiro decidido a contar
sua história de abandono na infância. Para os que arriscam dizer a
verdade e admitir que estudamos a felicidade, a resposta é quase
sempre a mesma: o que eu posso fazer para ser feliz?
O
segredo da felicidade é uma preocupação cada vez mais importante
na era moderna, já que o aumento da estabilidade financeira
proporciona a muitos a oportunidade de se concentrar no crescimento
pessoal. Uma vez que já não somos mais caçadores preocupados em
encontrar a próxima presa, procuramos viver nossas vidas da melhor
maneira possível.
A
busca da felicidade é uma epidemia mundial — em um estudo com mais
de 10 mil participantes de 48 países, os psicólogos Ed Diener, da
Universidade de Illinois, e Shigehiro Oishi, da Universidade de
Virginia, descobriram que pessoas de todos os cantos do mundo
consideram a felicidade mais importante do que outras realizações
pessoais altamente desejáveis, tais como ter um objetivo na vida,
ser rico ou ir para o céu. A febre da felicidade é estimulada em
parte pelo crescente número de pesquisas que sugerem que, além de
ser boa, a felicidade também faz bem — ela está ligada a muitos
benefícios, desde maiores salários e um melhor sistema imunológico
até estímulo à criatividade.
A
maioria das pessoas entende que a felicidade verdadeira é mais do
que um emaranhado de sentimentos intensos e positivos — ela é
melhor descrita como uma sensação plena de “paz” e
“contentamento”. Não importa como seja definida, a felicidade é
parcialmente emocional — e por isso está ligada à máxima de que
cada indivíduo tem um ponto de regulação, como um termostato,
definido pela bagagem genética e a personalidade de cada um.
A
felicidade verdadeira dura mais do que uma dose de dopamina, por isso
é muito importante pensar nela como algo que vai além da emoção.
A sensação de felicidade de cada um também inclui reflexões
cognitivas, tais como quando você ri — ou não! — da piada do
seu melhor amigo, ou quando analisa o formato do seu nariz ou a
qualidade do seu casamento. Somente parte desta sensação tem a ver
com o que você sente; o resto é produto de um cálculo mental, em
que você computa suas expectativas, seus ideais, a aceitação
daquilo que não pode mudar e inúmeros outros fatores. Assim, a
felicidade é um estado mental e, como tal, pode ser intencional e
estratégico.
Não
importa qual seja o seu ponto de regulação emocional, seus hábitos
diários e suas escolhas — da maneira como você lida com uma
amizade até como reflete sobre decisões em sua vida — podem
influenciar o seu bem-estar. Os hábitos de pessoas felizes foram
documentados em estudos recentes e fornecem uma espécie de manual a
ser seguido. Aparentemente (e paradoxalmente, é preciso dizer),
atividades que causam incerteza, desconforto, e mesmo uma pitada de
culpa estão associadas às experiências mais memoráveis e
divertidas das vidas das pessoas. As pessoas mais felizes, ao que
parece, têm vários hábitos não-intuitivos que poderiam ser
considerados como infelizes. Ou seja, nem tudo aquilo que os livros
de auto-ajuda defendem que pode te fazer feliz tem parcela
significativa na sua felicidade. A felicidade pode vir de onde menos
se esperava. Duvida? Que bom, isso significa que você tem grandes
chances de ser feliz. Confira a seguir como.
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O IMPORTANTE É CORRER RISCOS
Situações
complicadas, incertas e até mesmo desgastantes são fundamentais
para aumentar nossa sensação de satisfação
É
sexta-feira à noite e você tem planos de jantar com os amigos. Se
você quiser ter certeza de que vai chegar em casa satisfeito, você
pede uma pizza ou um hambúrguer. Se, em vez disso, você escolher um
tipo de comida que nunca experimentou (culinária etíope — claro,
por que não?) você corre o risco de não gostar muito daquela
injera com wat (tipo de massa fina de pão coberta com carne
condimentada) —, mas pode ser que se surpreenda com um sabor
delicioso.
Pessoas
verdadeiramente felizes aparentam saber intuitivamente que a
felicidade duradoura não se trata apenas de fazer aquilo de que
gostamos. Ela também exige crescimento pessoal e se aventurar além
dos limites da sua zona de conforto. Em um estudo de 2007, os
psicólogos do estado do Colorado Todd Kashdan e Michael Steger
monitoraram as atividades diárias de estudantes e como eles se
sentiam durante 21 dias; aqueles que sentiam curiosidade em
determinado dia também se diziam mais satisfeitos com a vida — e
se envolviam em um número maior de atividades que levavam à
felicidade, tais como expressar sua gratidão aos colegas ou praticar
atividades voluntárias.
A
curiosidade — aquele estado pulsante e ávido do não-saber — é
fundamentalmente um estado de ansiedade. Quando, por exemplo, o
psicólogo Paul Silvia mostrou aos participantes de uma pesquisa uma
série de pinturas, as imagens tranquilas de Claude Monet e Claude
Lorrain evocaram sentimentos felizes, enquanto as obras misteriosas e
inquietantes de Egon Schiele e Francisco Goya causaram curiosidade.
Ao
que parece, a curiosidade consiste basicamente em explorar. Pessoas
curiosas em geral entendem que, apesar de não ser fácil se sentir
desconfortável e vulnerável, este é o caminho para se tornar mais
forte e sábio. Na verdade, um olhar aprofundado no estudo de Kashdan
e Steger sugere que pessoas curiosas investem em atividades que lhe
causam desconforto, pois estas atuam como um trampolim para estados
psicológicos mais elevados.
É
claro que existem diversas circunstâncias na vida em que a melhor
maneira de aumentar seu grau de satisfação é simplesmente fazer o
que te faz bem, como tocar sua música favorita numa jukebox ou fazer
planos para visitar seu melhor amigo. Mas, de vez em quando, vale a
pena buscar uma nova experiência, mais complicada, incerta e até
mesmo desgastante — seja finalmente fazer aquela aula de caratê
pela primeira vez ou ceder a sua casa para a exibição do filme de
arte de um colega. As pessoas mais felizes optam pelas duas vias e
assim se beneficiam de ambas.
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DETALHES TÃO PEQUENOS
Pessoas
mais felizes não são minuciosas e têm uma proteção emocional
natural contra o desgaste dos pequenos detalhes
Uma
crítica comum às pessoas felizes é que elas não são realistas —
levam a vida alegremente sem levar em conta os perigos e problemas do
mundo. Pessoas satisfeitas tendem a ser menos analíticas e atentas a
detalhes. Um estudo conduzido pelo psicólogo Joseph Forgas, da
Universidade de New South Wales, constatou que pessoas com uma
predisposição a serem felizes — ou seja, aquelas que tendem a ser
positivas — são menos céticas do que as outras. Elas são menos
críticas e mais receptivas com estranhos, o que as torna mais
suscetíveis a mentiras e golpes.
Claro,
ficar de olho nos detalhes pode ajudar quando se trata de navegar o
complexo universo social de colegas e namorados — e é algo que as
pessoas menos alegres tendem a fazer. Na verdade, o psicólogo da
Universidade Virginia Commonwealth, Paul Andrews, argumenta que a
depressão é, na verdade, uma questão de adaptação. Pessoas
depressivas, segundo a lógica, tendem a refletir e processar mais
suas experiências do que as outras — e, por consequência, ter
mais insights sobre si mesmo ou sobre a condição humana —, embora
paguem um preço emocional por isso. Um pouco de atenção aos
detalhes ajuda a avaliar o universo social de maneira mais realista.
No
entanto, muita atenção aos detalhes pode interferir no nosso
funcionamento cotidiano, como dizem as pesquisas realizadas pela
psicóloga Kat Harkness, da Queen’s University. Em seu estudo, ela
mostra que as pessoas deprimidas tendem a notar mudanças nas
expressões faciais dos outros a cada minuto. Já as pessoas felizes
tendem a ignorar tais mudanças repentinas — um ar de
aborrecimento, um sorriso sarcástico. Você provavelmente conhece
tal fenômeno das interações com seu parceiro. Quando estamos de
mau humor, notamos pequenas mudanças de expressão que geralmente
surgem de uma briga (“Eu vi você virar os olhos pra mim! Por que
você fez isso?!”), mas quando estamos de bom humor, passamos por
cima desses detalhes (“Você me provoca, mas eu sei que no fundo
você ama estar perto de mim”). As pessoas mais felizes têm uma
proteção emocional natural contra a energia desgastante dos
pequenos detalhes.
Do
mesmo modo, as pessoas mais felizes não dão tanta importância para
o seu desempenho. Ao rever a literatura de pesquisa de Oishi e seus
colegas, nota-se que as pessoas mais felizes — cujas notas foram 9
ou 10 no quesito satisfação com a vida — tendem a ter desempenhos
piores do que pessoas medianamente felizes quando se trata de notas,
frequência em aulas e salários. Em resumo, elas se preocupam menos
com o seu desempenho; acreditam que vale a pena sacrificar um certo
grau de realização para não ter que se preocuparem com coisas
pequenas.
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EU TORÇO POR VOCÊ
Comemorar
de verdade o sucesso dos seus amigos pode te fazer mais feliz do que
conquistar os seus próprios
Você
já ouviu isso um milhão de vezes: um bom amigo é aquele com quem
você pode contar quando precisa. Segundo uma pesquisa recente da
Gallup World Poll, o melhor indicador de felicidade no trabalho era
se a pessoa tinha ou não um melhor amigo com quem podia contar.
Assim, faz sentido pensarmos que um bom amigo é aquele que nos leva
pra tomar uma cerveja quando recebemos uma promoção no trabalho —
ou que somos um quando buscamos aquele amigo no bar que acabou de ser
demitido e está muito bêbado para voltar pra casa dirigindo.
De
fato, tal apoio alivia as pancadas difíceis da vida e ajuda a vítima
a superá-las. Ainda assim, novas pesquisas revelam uma ideia menos
intuitiva sobre amizades: as pessoas mais felizes são aquelas que
estão presentes nos sucessos dos amigos e cujas realizações são
comemoradas por eles.
Tal
ideia é reforçada pela psicóloga Shelly Gable, da Universidade da
Califórnia, em Santa Bárbara. Uma pesquisa realizada por ela e
alguns colegas revelou que quando parceiros românticos falham em dar
importância ao sucesso do outro, o casal tem mais chances de se
separar. Em contrapartida, quando os parceiros comemoram as
realizações uns dos outros, eles tendem a ficar mais satisfeitos e
compromissados com o relacionamento, desfrutando de mais amor e
felicidade.
No
entanto, fora do nosso relacionamento principal, por que capitalizar
o sucesso dos outros nos faria mais feliz? Por que devemos apoiar
aquele amigo sortudo, ouvindo todos os detalhes de mais uma de suas
conquistas sexuais quando nós mesmos passamos muitas noites de
sexta-feira lendo gibi? Primeiramente, ele precisa de você, de
verdade. O processo de conversar sobre uma experiência positiva com
alguém que escuta atentamente muda, de fato, a memória daquele
evento — dessa forma, depois de falar sobre a sua experiência, seu
amigo vai se lembrar daquela noite com a modelo de maneira ainda mais
positiva do que ela foi realmente, e vai ser mais fácil para ele
relembrar deste encontro alguns anos depois, quando ela der o fora
nele. Mas igualdade é importante, e você também pode pegar uma
carona na positividade do seu amigo. Assim como nós nos sentimos
mais felizes quando compramos presentes ou doamos dinheiro para
caridade em vez de gastarmos com nós mesmos, nos sentimos mais
felizes ao ouvir os relatos de sucesso de nossos amigos.
Na
vida, existem muitas pessoas esperando uma oportunidade para mostrar
seu heroísmo. Difícil mesmo é encontrar pessoas que realmente
conseguem compartilhar a alegria e realização dos outros sem sentir
inveja. Assim, mandar flores para uma amiga que está se recuperando
de uma cirurgia pode ser generoso da sua parte, porém oferecer o
mesmo buquê quando ela se formar em Medicina ou ficar noiva gera
mais satisfação para ela — e principalmente para você.
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SENTIMENTOS NEGATIVOS À MOSTRA
Admitir
sentir raiva ou inveja pode nos tornar mais flexíveis, e a
habilidade de mudar nosso estado mental é fundamental para o
bem-estar
As
pessoas mais saudáveis psicologicamente têm um entendimento nato de
que as emoções servem como um feedback — um sistema de radar
interno que fornece informações sobre o que está acontecendo (e o
que vai acontecer) no nosso universo social. Pessoas felizes e
radiantes não escondem seus sentimentos negativos. Elas reconhecem
que a vida é cheia de decepções e batem de frente com elas, sempre
usando de sua raiva para se defender e de sua culpa como motivador
para mudar seu próprio comportamento. Esta hábil alternância entre
prazer e dor — habilidade de mudar seu comportamento para atender à
demanda da situação — é conhecida como flexibilidade
psicológica.
A
habilidade de mudar o estado mental de acordo com a circunstância é
um aspecto fundamental para o bem-estar. George Bonanno, psicólogo
da Columbia University, descobriu que, após o 11 de Setembro, as
pessoas mais flexíveis que moravam em Nova York quando os ataques
aconteceram — aquelas que ocasionalmente sentiam raiva, mas também
escondiam sua emoção quando necessário — se recuperaram mais
rápido e desfrutaram de melhor saúde mental do que as que não
souberam se adaptar.
Oportunidades
para reagir de maneira flexível estão em toda parte: uma
recém-casada que acaba de descobrir que é infértil talvez esconda
sua desesperança de sua mãe, mas se abra com a amiga; pessoas que
passaram por algum trauma talvez expressem sua raiva para outras que
compartilham do mesmo sentimento, mas a esconda de amigos. O que nos
permite obter melhores resultados em diferentes situações é a
capacidade de tolerar o desconforto causado pela mudança de estado
de espírito de acordo com nossa companhia e suas atitudes.
Aprender
a lidar com o desconforto emocional é algo que se faz aos poucos. Da
próxima vez em que você tiver um desentendimento com alguém, em
vez de beber uma dose de uísque, tente simplesmente tolerar aquele
sentimento por alguns minutos. Com o passar do tempo, sua capacidade
de tolerar emoções negativas vai aumentar.
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ENCURTANDO A CURTIÇÃO
Prive-se
dos prazeres imediatos: banho demorado, barra de chocolate, sessão
de TV... As pessoas mais felizes têm metas longas e definidas
Até
a pessoa mais esforçada concorda que uma vida cheia de objetividade
e sem prazeres é muito chata. Pessoas felizes sabem se permitir
certas indulgências momentâneas que são gratificantes — tomar um
banho longo, faltar na ginástica no sábado para assistir a uma
partida de futebol na TV... Se você se concentra principalmente em
atividades que te dão prazer instantâneo, você pode estar perdendo
os benefícios de ter uma meta definida. Objetivos nos levam a correr
riscos e fazer mudanças — mesmo face à privação e ao sacrifício
da felicidade a curto prazo.
Ao
tentar descobrir como as pessoas equilibram prazer e objetivo,
Michael Steger e seus colegas da Colorado State mostraram que o ato
de tentar compreender nosso mundo é o que geralmente nos desvia de
nossa felicidade. Afinal, esta é uma missão carregada de tensão,
incerteza, complexidade, momentos de intriga e agitação, e
conflitos entre o desejo de se sentir bem e a vontade de progredir em
direção ao que mais valorizamos. Ainda assim, no geral, as pessoas
mais felizes tendem a sacrificar mais os prazeres a curto prazo
quando existe uma boa oportunidade de progredir em direção ao que
elas desejam ser na vida.
Uma
pesquisa realizada pelo neurocientista Richard Davidson, da
Universidade de Wisconsin, revelou que progredir em direção à
realização de nossos objetivos nos faz sentirmos mais envolvidos e
nos ajuda a tolerar sentimentos negativos que podem surgir neste
percurso.
Ninguém
diz que ter um objetivo na vida é fácil ou que seja uma tarefa
simples, mas pensar nas atividades gratificantes e significativas que
você fez na semana passada, no que você é bom e nas experiências
das quais você não abre mão pode ajudar. Observe também as
situações em que suas respostas refletem aquilo que você acha que
devia dizer em vez daquilo em que realmente acredita. Por exemplo,
ser pai não significa que o tempo que você passa com seus filhos é
a parte mais energizante e significativa da sua vida — e é
importante aceitar isso. As pessoas mais felizes conseguem combinar
aquilo que mais gostam com uma vida de objetivos e satisfação.
por
Todd B. Kashdan e Robert Biswas-Diener