A
imprensa se mantém alerta para qualquer movimento
que interfira em
direitos conquistados
Lanço
um romance agora em novembro. Chama-se "Fim".
Saindo
de uma reunião na editora, parei para observar a estante de
lançamentos e fui convidada a escolher alguns títulos.
Interessei-me pela biografia de Cruz e Souza, Bashô, Jesus e
Trotsky, do Leminski, botei o exemplar no bolso e me dirigi à porta.
Meu
editor veio atrás com "O Drible", de Sérgio Rodrigues,
nas mãos. Perguntou se eu não queria levar. Sérgio foi um dos que
tiveram a pachorra de ler e escrever o blurb, palavra odienta, uma
pequena resenha na contracapa do meu "Fim". Agradeci a
lembrança, encabulada por não ter partido de mim o impulso.
A
vergonha me fez atacar o livro de bate-pronto e descobrir um escritor
finíssimo, mineiro radicado no Rio. Sérgio se vale de um péssimo
pai, cronista de futebol aposentado, que, desenganado, decide reatar
relações com o filho, para compor uma tragédia burguesa que
atravessa os últimos 70 anos da nossa história.
Através
da paixão poética do pai pelo esporte bretão, Sérgio explora a
geração que conviveu com Nelson Rodrigues e Mário Filho, que viu
Nilton Santos, Garrincha e Pelé em campo, que testemunhou o apogeu e
queda do futebol arte. Murilo desenha paralelos entre o jogo e o
país, enquanto o filho, nascido junto com o golpe de 64, cresce em
uma sociedade utilitária, movida a autoajuda, embalado pelo
saudosismo dos seriados americanos da infância, o rock de 80 e as
caixas de farmácia que come pelo caminho.
O
"Drible" é primo-irmão do "Fim". Melhor, é
claro, mais sórdido, mais macho, mas primo. O Rio de Janeiro é o
seu palco. O hedonismo libertário, vazio, a decadência da corte, o
desprezo por qualquer grande ato e a natureza imperiosa.
A
diferença é que Sérgio é das Gerais, seus personagens sobem a
BR-040, a mesma que dá em Minas, para se esconderem na umidade do
Rocio; possuem a doença do interior, são abatidos pelo oculto, pela
insanidade, arquitetam crimes.
Infelizmente,
de nada vale o elogio. O Sérgio acaba de me prestar um grande favor
e, em prol da isenção crítica, a ética literária condena
troca-trocas desse tipo. Como amadora, me permito a heresia, o autor
merece.
Por
falar em boa escrita, o Procure Saber foi obrigado a rever a sua
posição com respeito às leis que regem a publicação de
biografias.
A
liberdade de expressão está sob ameaça em muitos países
latino-americanos. No Brasil, a imprensa se mantém alerta para
qualquer movimento que interfira em direitos conquistados. É um tema
sagrado para os meios de comunicação e entendo o porquê de a
contenda ter tomado contornos tão radicais.
Sou
a favor da liberação. O "sem fins lucrativos" beneficia a
internet e a versão chapa-branca da história; a informação
duvidosa, sem fontes seguras. A má-fé existe, o mau gosto também,
e não só em Gutenberg. Talvez menos em Gutenberg.
Por
outro lado, alguns limites merecem atenção.
Não
é justo que um criminoso lucre com o crime que cometeu. Nos Estados
Unidos e na França esse direito é negado, aqui, não há lei para
isso.
Estranha
também que a reparação a um dano físico, ou moral, seja calculada
com base nos dividendos da pessoa lesada. Quem ganha pouco, recebe
pouco, quem ganha muito, recebe muito.
E
não acho certo a veiculação de fotos de crianças sem a
autorização dos pais. Tem muito louco nesse mundo e eu gostaria de
ter o direito, ou não, de expor meus filhos ao Coliseu.
Caso
seja aprovada a nova versão do artigo 20 do Código Civil, uma coisa
permanecerá imutável, a sua frágil redação. Ficaria assim:
"A
mera ausência de autorização não impede a divulgação de
imagens, escritos e informações com finalidade biográfica de
pessoa cuja trajetória pessoal, artística ou profissional tenha
dimensão pública ou esteja inserida em acontecimentos de interesse
da coletividade."
É
a liberdade irrestrita, mas preocupa o uso de um termo tão ambíguo
quanto divulgação no enunciado. Divulgar é promover, um verbo que
abre espaço para a comercialização indevida. Não tem nada a ver
com o livre pensar ou a memória da história. Não é publicar e nem
transmitir.
Valia
uma revisão.