Conversa na frente do elevador (cujo botão de chamada era seguidamente apertado pela mesma pessoa): “Olha, eu tenho um livro pra você ler que é bom demais”! Resposta do outro, preocupado: “É grande”?
Pouco
depois, outras pessoas ali mesmo, também apertando o botão com
sofreguidão, rola outra conversa: “Descobri um curso para você
fazer que é magnífico”! Resposta, com ar franzido: “Demora”?
Não
tenho tempo! Esse é quase um brado recorrente. Ora, tempo é questão
de prioridade; se digo que não tenho tempo para algo, estou dizendo
que aquilo não é prioridade para mim.
Por
isso, a questão central não é saber se tenho ou não tempo, mas,
isso sim, quais são as minhas prioridades ao viver. Ficar idoso é
ter bastante idade e, portanto, avolumar mais tempos; já o
envelhecimento vem com vigor quando desistimos de usar o tempo para a
fruição, a partilha, o crescimento, e a inovação de si mesma e de
si mesmo.
A
velhice é uma sensação de que o tempo é algo a ser aguardado na
conclusão (o tempo passa...), em vez de usado para reinvenção (vou
achar um tempo para isso)...
A
velhice é, antes de mais nada, uma desistência.
Em
1924 o estupendo estudioso da cultura brasileira, nosso maior
pensador sobre Folclore, o potiguar Câmara Cascudo, publicou pela
editora Monteiro Lobato (isso mesmo!) a obra Histórias que o tempo
leva; foi seu segundo livro de uma série de dezenas e dezenas que
produziu em 88 anos de vida.
Nascido
em Natal em 1898 (há pouco mais de 180 quilômetros de Currais
Novos, como diria outro potiguar dedicado ao livros, José Xavier
Cortez) , tem seu corpo naquela capital sepultado desde 1986.
Cascudo
deixou um livro de memórias, O Tempo e Eu, cuja primeira edição é
de 1968 (ano simbólico!) e que saiu pela editora da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, da qual ele foi professor e cujo
Instituto de Antropologia tem seu nome. Obra sólida, marcada não
pela nostalgia de “tempos perdidos” mas pela alegria dos “tempos
vividos”.
Professor
com orgulho, não perdia tempo quando alguém esquecia isso; bastante
idoso, irritava-se mais e mais com quem o chamava de folclorista e,
em uma entrevista foi direto: “Faço questão de ser tratado por
esse vocábulo que tanto amei: professor. Os jornais, na melhor ou na
pior das intenções, me chamam folclorista. Folclorista é a puta
que os pariu. Eu sou um professor. Até hoje minha casa é cheia de
rapazes me perguntando, me consultando”.
Foi um
gênio, inclusive no uso do tempo.
Porém,
sua genialidade não era unânime dentro de casa. Teve uma cozinheira
que trabalhou com ele mais de quarenta anos, pessoa boa e dedicada,
que um dia foi abordada perto do fogão por uma visita de Cascudo (em
lugar que dava para ver o professor no interior da biblioteca
pessoal) e esta comentou “Mas esse homem é um gênio, né”.
A
cozinheira disse, sem parar de mexer o pirão de queijo: “Acho não,
moço. Faz décadas que estou aqui e vejo ele estudar todo dia por um
tempão”...