Olhar pela janela, deixar os olhos suspensos em um copo, não
é sinônimo de perder tempo. Porque às vezes, quem olha através desse limiar não
tem interesse em ver o mundo exterior.
O que procura é percorrer seu reflexo
para navegar através da introspecção, alcançar seus mundos internos em busca de
novas possibilidades. Poucos exercícios mentais podem ser mais saudáveis.
Qualquer um que conheça o trabalho de Edward Hopper sem
dúvida se lembrará de todas aquelas obras nas quais somos apresentados a uma
mulher solitária diante de uma janela. Às vezes é um quarto de hotel, às vezes
uma cama ou um refeitório … A imagem é sempre a mesma: um olhar feminino que
parece transcender o vidro e ficar a quilômetros de distância daquele pequeno
espaço que a rodeia.
Poucos enigmas despertaram esse interesse pictórico. O que
essas mulheres olham? A resposta é simples: nada e tudo ao mesmo tempo. Hopper
era um especialista em criar ambientes e atmosferas onde as emoções de
definição pouco simples eram contagiosas. A luz, as formas, as cores, tudo
tinha que propiciar uma certa sensação. Por esse motivo, ele costumava usar o
recurso de uma janela perto de seus personagens.
As janelas são umbrais para a mente humana. Muitas vezes
elas são um recurso indispensável para todos os sonhadores. Também para aqueles
que precisam de uma pausa após um dia de estresse, e apoiam a testa no vidro
frio de uma janela no metrô. É quando o olhar relaxa e nossa imaginação se
apaga. É aquele momento em que começamos a sonhar e nosso cérebro encontra
alívio, liberdade, bem-estar.
Olhar pela janela, um
exercício de introspecção
Em qualquer sala de aula de uma escola primária ou
secundária, é fácil encontrar uma criança olhando pela janela. Eles estão ausentes,
desconectados dos seus arredores, mas conectados a suas divagações, a seus
devaneios. À medida que crescemos, esse comportamento, longe de ser corrigido,
persiste com entusiasmo. No entanto, ainda é desaprovado. Porque olhar pela
janela é sinônimo de ser improdutivo, não está presente no imediatismo que nos
rodeia, nas responsabilidades que nos exigem.
Vamos admitir, raramente podemos mergulhar em nossos estados
mentais para saber o que está acontecendo lá. Porque quem faz isso fica imóvel,
não gera nada, não mostra nada. E isso, numa sociedade orientada para
resultados, é pouco mais que um sacrilégio. Talvez por esse motivo, olhar pela
janela seja um exercício que preferimos fazer sozinhos. É deixar os olhos nesse
limite sugestivo que o vidro forma para olhar, mas não para ver, o que acontece
no mundo exterior.
O que fazemos é uma viagem ao contrário. Nós não nos
importamos com o que está lá fora, porque o que está lá embaixo é bem
conhecido: trânsito, aglomerados de pessoas, uma cidade que evolui na rotina
habitual … Nosso cérebro nos puxa como a âncora que é coletada da parte
inferior das profundezas para nos levar para o mar. E aí, algo tão maravilhoso
quanto útil para nosso desenvolvimento emocional e psicológico acontece.
Vivemos em um mundo obcecado pela produtividade, nós
sabemos. Talvez por esse motivo, nos esquecemos do enorme potencial existente
no ato de sonhar acordado. Às vezes, as coisas mais importantes, as decisões
mais importantes, surgem na frente de um painel da janela. É quase como uma
rebelião de nossa mente ordenando que façamos algo diferente. É fazer contato
com o nosso eu mais sábio – mas recôndito – para ouvir o que ele quer nos
dizer.
O vidro onde sonhamos
acordados
Psicólogos especialistas no mundo da criatividade, como
Scott Barry Kaufman e Jerome L. Singer, explicam em um artigo da Psychology
Today que hoje sonhar acordado permanece sendo um estigma. Quem quer que olhe
pela janela por meia hora, em vez de continuar a trabalhar com o computador, é
uma pessoa preguiçosa.
Em um estudo realizado por esses psicólogos, foi demonstrado
que 80% dos gestores de empresas como a Adobe pensam que a criatividade é
aprimorada através do trabalho e da atividade contínua. Assim, o trabalhador
que em determinado momento escolhe deixar o resto para tomar café diante de uma
janela é alguém que não aguenta a pressão, alguém improdutivo.
Até hoje, continuamos a associar movimento com desempenho e
passividade com preguiça. Devemos, portanto, mudar essas perspectivas, essas
idéias enferrujadas. Sonhar acordado representa a arte de rastrear maravilhas
escondidas no cérebro de alguém. Está treinando a mente para expandi-la ainda
mais por meio de introspecção, curiosidade, simbolismo e imaginação.
Tudo isso, todo esse potencial oculto em cada um de nós,
pode ser encontrado perfeitamente na frente de um vidro. Olhar pela janela em
algum momento do dia é incitar a nós mesmos. É atravessar o limiar para esse
mundo interior tantas vezes negligenciado. Esse que não servimos ou alimentamos
porque o exterior exige muito de nós. A sociedade de hoje nos quer
hiperconectados, esperando estímulos infinitos.
Vamos aprender, portanto, a estabelecer limites e a ir a
essa janela de vez em quando. Para essa reflexão onde estão contidos nossos
sonhos, onde podemos espiar nossa beleza interior e um mundo cheio de infinitas
possibilidades…
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