A primeira condição para
conseguirmos conhecer melhor as pessoas diz respeito a tratarmos de evitar o
erro usual de buscarmos avaliá-las tomando por base a nós mesmos. Ou seja, um
erro grave é o de pensar assim: “eu no lugar dela faria isso ou aquilo”; a
verdade é que eu não sou ela e a forma de ser e de pensar não acompanha
obrigatoriamente a nossa. Temos de nos afastar da nossa maneira de pensar e
tentar, com objetividade, entender como funciona o psiquismo de quem queremos
conhecer.
Um aspecto importante para
quem quer efetivamente conhecer o outro consiste em prestar bastante atenção em
seus atos, gestos, expressões corporais e faciais. Podemos saber muito de uma
pessoa pela forma como se move dentro de casa, como pega o jornal, se ela serve
ou não as pessoas que estão à sua volta, pelo sorriso, pela facilidade com que
se irrita, como reage quando está com raiva e assim por diante. Esses traços
são particularmente relevantes quando o observado está distraído, sem intenção
de impressionar os interlocutores. A objetividade na avaliação é essencial e
depende de critérios de valor claros na mente do observador.
É claro que se pode
conhecer muito das pessoas por seus sentimentos: sua capacidade de amar e se
dedicar, a forma como lidam com o ciúme, como se comportam quando sentem
inveja, se têm controle sobre suas emoções ou não.
Um aspecto que me chamou a
atenção mais recentemente e que considero extremamente relevante é que as
pessoas mais egoístas – as que recebem mais do que dão e que, por isso mesmo,
são mais dependentes – são mais realistas e objetivas para analisar o modo de
ser das pessoas com as quais convivem. Elas buscam se aproximar de pessoas mais
generosas, competentes para lhes dar o que necessitam. Elas sabem perfeitamente
que os mais generosos são ricos em sentimentos de culpa, esta que, uma vez
estimulada, faz com que não resistam e digam “sim” mesmo quando gostariam de
dizer “não”.
É curioso, pois os mais
egoístas não são muito empáticos, ou seja, não são competentes para se colocar
no lugar das outras pessoas; porém, são objetivos e realistas na avaliação dos
que os cercam. Isso nos leva a concluir que a atitude empática, a de se colocar
no lugar do outro, pode nos induzir a erros de avaliação bem maiores do que
aqueles que derivam da observação direta e objetiva.
Os mais generosos, aqueles
que, por vaidade ou incapacidade de lidar com excesso de sentimentos de culpa,
dão mais do que recebem, são os que mais erram na avaliação que fazem a
respeito de seus interlocutores. A forma como exercem a empatia, a de imaginar
o outro à sua imagem e semelhança, ofusca a objetividade que deveriam ter para
perceber que os seres humanos não são tão parecidos conosco quanto gostaríamos.
A verdadeira empatia deveria se assemelhar à dos “hackers”, aqueles que tentam
entrar na mente do outro com isenção, buscando entender como é que ela
funciona.
Perceberiam, por exemplo,
que os mais egoístas não sentem culpa e não têm pudor em dramatizar situações
com o intuito de provocar esse sentimento nos mais generosos. Perceberiam que a
ausência de culpa gera uma diferença enorme entre as pessoas, de modo que os
mais egoístas mentem com facilidade, inventam sofrimentos duvidosos apenas com
o intuito de, pela via da chantagem sentimental, induzir os mais generosos a
agir de acordo com sua vontade e satisfazer seus anseios e necessidades.
A conclusão a que devemos
chegar é que o realismo e a objetividade são bons mecanismos de exploração do
meio externo e que a avaliação das pessoas também deve ser regida pela
observação dos fatos e não por ideias.
Os mais generosos tendem a
ser idealistas nos dois sentidos da palavra: se baseiam mais em suas suposições
do que nos fatos; e também tendem a ver beleza e virtude onde não existe:
acreditam que, no fundo, todas as pessoas são boas e que têm coração de ouro.
A proposta de Freud, de
que todos temos um Super Eu, uma censura moral interna, deriva de
generalizações que ele fez tomando por base a si mesmo e algumas outras
pessoas. Convém ser realista e objetivo: uma boa metade da humanidade não sente
culpa. Assim, quem quiser aprender a conhecer melhor as pessoas deve se ater
aos fatos mais que às ideias.
O realismo só gera certo pessimismo numa primeira
fase e para aqueles acostumados com o mundo das ideias onde tudo é belo e,
principalmente, existe de acordo com seus gostos e vontades.
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