O diálogo político se
tornou impossível.
Ninguém mais busca o meio termo.
E parte da culpa é da
internet.
O incômodo é visível. Em
sua coluna na Folha de S. Paulo, o veterano jornalista Luiz Caversan anunciou
que pretendia tirar férias de Facebook. O radicalismo das pessoas na rede está
intolerável. Em um artigo recente, Frei Betto foi outro a se queixar dos
radicais à esquerda e à direita. Cá no GLOBO, ontem, Ricardo Noblat desdenhou
do país onde, on-line, “se torce apenas pelo cordão vermelho ou pelo cordão
azul”. Míriam Leitão foi uma das primeiras, uns domingos atrás.
Os radicais, em sua
opinião, pioram a qualidade do debate. A polarização política é um fenômeno
muito mais nocivo do que parece. Não é um fenômeno apenas brasileiro. E, não à
toa, coincide com a popularização da internet. A tendência, aliás, é de que
piore.
Em Israel, a esquerda foi
sufocada e o governo de direita se radicalizou como nunca na história do país.
Na Espanha, da virada do século para cá, o espaço de diálogo entre eleitores do
socialista PSOE e do PP praticamente se extinguiu. Idem nos EUA, onde
republicanos e democratas não se entendem desde o dolorido embate eleitoral que
culminou com a questionável eleição de George W. Bush, em 2000. Este período,
entre finais dos anos 1990 e o início da década seguinte é marcado pelo
surgimento dos blogs e, com eles, as caixas de comentários.
A partir daí, o
crescimento das redes sociais. Não há coincidência.
Polarização não ocorre
apenas quando o centro desaparece. A coisa é mais complexa. É natural que todos
tenhamos paixões por certos temas. Pode ser o casamento gay para um, educação
para outro, política econômica na cabeça do terceiro. Duas ou três questões
costumam nos ser caras. Para as outras, na maioria das vezes somos
ambivalentes, no máximo simpáticos a uma opção.
Quando o ambiente se
polariza, porém, as pessoas se alinham a um ou outro grupo ideológico.
Sentem-se na obrigação de defender até aquilo que não lhes é caro. O resultado
é que as possibilidades de diálogo desaparecem. Afinal, quando tudo é muito
importante, ninguém cede. Acordos tornam-se inviáveis.
Jogue “polarização
política” no Google, porém, e poucos artigos científicos aparecerão. O tema
mais definidor da política brasileira no momento é pouco estudado. Talvez
porque, polarizadas, as pessoas que se interessam por política andam mais
preocupadas em derrotar o outro lado do que dar um passo atrás e perceber que
há algo de errado.
Nos EUA, onde o número de
cientistas é inacreditável e tudo se estuda, já há pistas fartas. A primeira é
que, para a maioria das pessoas, nada mudou. A população continua onde sempre
esteve, não se radicalizou. Quem se radicalizou foi o pequeno grupo de eleitores
que mais acompanha política. Como é para este grupo que políticos costuram seus
discursos, também eles tornam-se mais radicais. Um estudo do professor Markus
Prior, da Universidade de Princeton, avaliou se houve mudança na imprensa nas
últimas décadas.
Não a descobriu na
imprensa tradicional: a cobertura dos fatos, nos EUA, se dá por um ponto de
vista de centro. Nas páginas editoriais há uma tendência ligeira à esquerda,
mas pouca. Não é assim, lá, para a imprensa que surgiu mais recentemente:
canais a cabo de notícias, por exemplo, além de sites e blogs. Aí é tudo
extremo, à direita ou à esquerda.
A internet cria o que o
ativista Eli Pariser, autor do livro The Filter Bubble, chama de bolha. Lá, as
pessoas procuram apenas aqueles sites onde lerão o que reitera suas crenças.
Quando comentam em comunidades nas quais todos concordam, só há uma maneira de
se destacar. Ou seja, sendo mais puro ideologicamente.
Na opinião de Pariser,
aquela que já é uma tendência humana é amplificada pela maneira como a internet
contemporânea funciona. Facebook e Google aprendem com aquilo que curtimos,
clicamos, lemos, comentamos. Como querem nos ajudar a encontrar o que nos
interessa, mostram mais do mesmo. E mais do mesmo é a reiteração da bolha.
Lemos tanta gente com quem concordamos que o diálogo com os outros vai ficando
mais difícil.
É uma febre. Depende de
cada um escolher alimentá-la ou buscar o diálogo com quem discorda.