Encontro velha amiga com os olhos fundos.
Passa pelo luto de uma perda amorosa. Não há palavras que consolem.
Chego em casa, vou ao baú e por coincidência encontro velho texto meu, colocado num caderno enviado há anos por anônima leitora. Ele diz: A mulher que perdeu o seu amor é alguém com óculos de ver eclipse na alma.
Fica com olhar de rinoceronte e olho de cambaxirra. Estranho e doloroso esse ar sofrente de que ficam tocadas todas mulheres que perderam o seu amor. É marca que as acompanha como ruga ou expressão, pelo resto da vida.
Marca irreversível, chaga, cicatriz, verruga espiritual. Podem amar de novo, melhor até. Mas jamais deixará de doer a recordação daquele sentimento tornado impossível e daquela esperança fermentada.
A mulher que perdeu o seu amor sofre mais do que a que (ainda) não pode viver o seu amor. Esta, vive a dor do que não tem. Aquela, a dor de já não ter. Quem não tem e quem ainda não tem sofrem menos do que quem já não tem. O terrível é que a perda do amor, embora fermente, redunda em abertura de caminho para a aventura do conhecer-se. Embora morta-viva, a mulher que perdeu o seu amor é alguém que vai melhorar depois.
Na dor, ela se descobre, abre a cabeça, os músculos, a concepção de vida. Começa a entender as contradições do sentimento, a ficar mais livre, a punir-se menos, a saber que vale algo.
Passado o luto moral, a fase da fossa, a fossa da fase, o fechado pra balanço, o balanço vem. A ferro e fogo, a amargura e desvario, mas vem. E traz uma visão melhor de si mesma e de tudo o que é e representa. Instila-se um saudável egoísmo e muito mais altruísmo, paradoxalmente.
A mulher que perdeu o seu amor é um paralítico que sai para a luta e nela se cura. Se o amor era a deliciosa cegueira, a perda dele ensina a ver no escuro, a ler nos solavancos do ônibus da vida, a aprender a lição das greves interiores, a entender que é preciso melhorar, mesmo sabendo que nunca mais vai ser igual.
Mas nada disso posso dizer à minha amiga. Ela terá que aprender sozinha.